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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
“For my part, I know nothing with any certainty, but the sight of the stars makes me dream.” Vincent van Gog
Mais uma vez ela corria.
Sem destino ou direcção. Corria, por instinto, empurrada pelo vento ou arrastada pela maré. Perseguia o trilho descalça de orgulho, de pensar. Onde os pés sentiam o chão já frio mas seguiam onde a vida os queria levar. Apaixonada, nunca entendeu o rumo do seu caminho, ou quando devia parar. Não parava.
Não escuridão da noite, julgava-se perdida, da vida que corria ainda mais veloz. Do tempo que fugia nas estrelas indeciso, do impossível que abraça em vão.
Queria ser a noite, ou vento ou o caminho. Mas era fuga, solidão.
Fica a olhar pelo vidro enquanto a vida corre lá fora, apressada.
Escorre, em pingos mortos de chuva, que deslizam na janela. Embaciada, turva. A vida embate e escorrega, perdendo naquele vidro a sua força e o seu calor.
Por vezes não vê nada. Imagina apenas como será. Aquela vida que corre apressada, lá fora, do outro lado.
Vê-o passar, outra vez. O mesmo andar desengonçado. O sorriso nos lábios, no olhar, nos braços.
Vai agarrado a ela. As mãos envolvem o seu corpo, num fogo que arde devagar e lhe percorre as costas sem medo. Intenso. Tudo nele é intenso e louco. Desregrado. Os dois caminham num só corpo, perdidos um no outro, como um fio de novelo embaraçado. E sorriem. Com as mãos soltas do tempo, em beijos escondidos das sombras do vento. Sorriem e matam os dias vazios, com tanto que dão de si.
Por instinto, um e outro, inventam-se constantemente e sonham-se eternamente. Encadeados pela paixão imortal que lhes rasga o peito e o queima de dor. Pintam-se da mesma cor, de formas incompreensíveis, contornos indefinidos. Fazem juras de amor.
Ela vê-os passar pelo vidro da janela. Onde pingam lágrimas frias de chuva, amargas com a tristeza dela.
«A vida inteira esperei por ti. Mesmo que ainda se não tenha passado a vida inteira» Jorge Reis Sá em Nicola Lovers.
Sinto que esperei sempre por ti. Num desassossego infernal. Numa luta diária para esquecer o que sempre soube e nunca quis aceitar. Tu deixaste de amar. A mim. Deixaste-me. E mesmo assim, nunca me cansei de esperar por ti.
Como uma pedra no meu caminho. Fiquei ali parada, naquele tempo morto de alma, naquele deambular abandonado. Com os olhos ausentes no infinito. Parte de mim ficou ali perdida no tempo das "certezas" e do "para sempre"... parte de mim ficou ali contigo, naquela tarde de Domingo.
Tu deixaste-me e eu parti. Destroçada, confusa, descrente.
Por instinto fui seguindo em frente, deixando o vento arrastar-me para onde o destino me levasse. Nunca mais corri, nunca mais perdi-me no olhar, nem lutei por um coração. Talvez porque o meu tenha esperado a vida toda por ti, devotado à mais profunda solidão.
Em todas as ocasiões senti um vazio de vida
perdido algures de mim
um pedaço solto de tempo que não aconteceu
um medo arrepiante, assustador, de não o preencher.
Em todas as ocasiões procurei um minuto só meu
Silencioso de gente, incompreendido também,
mas aquele pedaço de céu, que nunca me pertenceu.
Um mundo gigante que habita em surdina dentro de mim
Sinto um vazio de vida, a ecoar num tunel sem fim.
Este é o primeiro trabalho que escrevi para o meu novo curso... um outro ponto de vista, neste caso, o de um copo! Why not??
Estou a gostar, bastante... na verdade acho-o completamente "speedado" mas bom! na verdade, em 3 aulas já tive 3 dos 4 formadores e, por isso, em cada aula parecia que entrava numa nova sessão dos AA..."Olá, eu sou a... e estou aqui porque" já estou a ganhar prática!!
Bom, aqui fica o "meu" copo! Just to share!
Vida de copo ou um copo de vida
“Não, não, por favor” gritava enquanto era transportado pelo irritante empregado que balançava desajeitado a bandeja, provocando-me enjoos como se estivesse em alto mar.
E pronto, lá estava eu na mesa de um sujeito de bigode farfalhudo. Já não bastava o cheiro nauseabundo daquele whisky velho que ardia nas minhas entranhas. Ele devia ter alguns 56 anos, olhava-me de sobrolho carregado, como se eu fosse a solução para as frustrações da sua vida... já conhecia aquele olhar e adivinhava até os seus movimentos seguintes, segurava-me com força e trás… ia tudo de penálti.
O roçar daquele bigode peludo, era uma verdadeira tortura. Pior mesmo só quando era acompanhado de uma barba que me escovava e picava sem dó nem piedade.
Mesmo assim, não era assim tão mau viver num bar onde melancólicos acordes de jazz embalavam as nossas noites. Desde que me recordo vivia ali, dormindo encarcerado num armário bafiento, entre prateleiras rectilíneas, num silêncio cansado e soturno. Pudera. Certas noites chegávamos a rodopiar por 10 bocas diferentes. Batiam-nos com os dentes, arranhavam-nos com a barba por fazer, deixavam-nos colado um creme pegajoso, viscoso avermelhado, bafejavam-nos de fumo... Fui experimentando todas as formas de viver. Uns saboreavam, beijando-me demoradamente, outros apressados, ou desesperados, simplesmente engoliam de um só trago como se estivessem numa competição.
Para além dos sabores amargos a whisky, cachaça ou rum, quase sempre despejavam-me pelas costas uma pedra gelada que ia desfazendo-se lentamente deixando-me enregelado...
Havia uns sortudos que apenas experimentavam misturas doces e coloridas, às vezes até tinham direito a uma palhinha amaricada...
Pelo menos não sentiam o odor das bocas quentes a salivarem e a sorverem-nos até não haver réstia de líquido cá dentro...
Todas as noites ansiava desesperado pelo momento em que o empregado desmazelado viesse buscar-me para me entregar aos cuidados do salão de beleza. Uns não aproveitavam aquilo à séria, mas a mim deixava-me como novo. Gostava mesmo daquilo. Um relaxante banho de água quente, massajado por uma espuma macia e perfumada e no final um vento quente que me deixava a brilhar. Saía de lá sempre revigorado, ou não tivesse um porte atlético e robusto. Já aqueles tontos das palhinhas amaricadas iam para uma bacia e eram esfregados à bruta com uma esponja e depois pendurados de cabeça para baixo a pingar. Até tinha pena deles, eram frágeis, muitos partiam a perna e nunca mais lhes punha a vista em cima. Provavelmente iam para um hospital distante e depois já não os traziam de volta. Iam para outro bar qualquer. Às vezes até lhes invejava a sorte. Saíam daquela rotina, conheciam o mundo. Eu estava confinado àquele lugar sombrio de sofás de pele escura comida pelo tempo. Valia-me o jazz e, quando tinha sorte, o aroma de um bom charuto.
O homem de bigode pousou-me na mesa com determinação, fazendo sinal ao empregado que veio com o seu habitual trejeito de andar abanando o rabo. Pousou-me na bandeja e lá fui eu a baloiçar por entre burburinhos de conversas desconhecidas. Até que algo se passou, acho que ele tropeçou, a bandeja virou-se e eu caí. Não me lembro de mais nada.
Acordei dormente num lugar com muita gente, entre copos e garrafas, até vidros. Era desconfortável, uns até estavam por cima de mim, outros debaixo, desarrumados. Mas vi com agrado a luz do sol espreitar por uma frecha lá no cimo, iluminando de imediato o imenso salão verde. “Devem ser as urgências”, pensei. Que confusão! Afastei um estilhaço de vidro, incrivelmente parecido comigo, e deixei-me ficar a contemplar um repentino raio de sol que veio abraçar-me.