12 rosas vermelhas
- Dra, posso? São as suas rosas.
A Cristina entrava pelo meu gabinete com aquele brilho nos olhos empunhando o bouquet de rosas. Dirigia-se à janela e levava a jarra que ali permanecia vazia à espera deste dia. Voltava novamente, gloriosa, com as flores elegantemente dispostas na jarra com água e colocava-a novamente no parapeito da janela. Mais um sorriso cúmplice e ía embora. Para ela isto era um verdadeiro troféu. Já era minha secretária há 5 anos, mas desde que tudo isto começou a nossa relação melhorou, de certa forma acho que passou a admirar-me. Logo eu...
Todas as quartas-feiras recebia 12 rosas vermelhas, entregues por alguém anónimo, sem qualquer cartão. Da primeira vez estremeci, procurei por todos os lados um cartão, corri até á recepção para saber quem tinha entregue,..mas tinha sido um estafeta de uma empresa de flores, não tinha deixado identificação. Fiquei aliviada. Eu sabia de onde vinham.
Quando tudo começou, pensei que fosse apenas uma desejo repentino, uma experiência, às vezes damos por nós em situações que nunca imaginávamos. Fui apanhada de surpresa, um convite inesperado e deixei-me levar. Não sei o que me atraiu. Mas aqueles momentos foram mágicos, estonteantes, um prazer único e inexplicável. Já passaram 6 meses e ainda continuo a viver esta loucura. Porquê?
Digo sempre a mim mesma que é a última vez, que acabou, que não aguento mais esta agitação. Mas volto sempre. É um vício que se apoderou de mim, e aquelas rosas são o isco que me atraem para aquela noite. Quero resistir mas não consigo, ainda não fui capaz de lutar contra mim e os meus pés ainda me comandam sem autorização.
Às vezes tenho vontade de contar tudo, a todos, aos meus pais, aos meus colegas de trabalho, ao meu namorado deputado europeu que vejo de mês a mês... Abrir o jogo e dizer onde vou, ter com quem, fazer o quê e porquê. Mas quem é que me iria entender? E para quê? Para me criticarem? Para me demoverem? Para opinarem sobre aquilo que uma vez por semana me faz feliz, me faz sentir viva, seja aceitável ou não? Será que me sentiria melhor se todos soubessem? Ou será que me fariam perguntas indiscretas? Ía estragar a vida dos meus pais, o que os seus amigos iriam pensar? Iria acabar de vez com a minha relação de 6 anos com o meu namorado? O que iriam pensar de mim no escritório? Alguém iria aceitar? O preconceito existe a cada esquina, e travar uma guerra com ele implica sangrar... e muitas vezes perder tudo. Não, fui perpetuando este segredo.
Optei por uma mentira socialmente aceitável - ía fazer a ronda aos sem-abrigo - era uma noite em que estava fora de casa e incontactável. Um álibi perfeito. Tinha feito isto uma vez e foi o que me ocorreu dizer quando, da primeira vez, fui confrontada com o regresso imprevisto do meu namorado e eu não estava em casa. Contudo esta mentira tem-me torturado tanto que dou por mim a comprar roupas e cobertores para os sem-abrigo. É a consciência que pesa por me apoiar numa acção benéfica para ocultar as minhas acções, socialmente criticáveis.
E fui vivendo esta mentira, sempre com um medo horrível de ser descoberta. E podia acontecer em qualquer semana, mesmo com os cuidados que tinha. Nada de telefone, de morada de casa, nada sobre a minha vida, queria ser totalmente anónima, mas caiu-me um cartão da empresa logo na primeira vez, de tão nervosa que estava a arrumar a minha carteira. Uma falha que despoletou esta perseguição infalível das rosas. 12, é o número da porta, Rosas porque é o meu nome fictício, vermelho porque é a cor da minha lingerie.
Olhei novamente para as rosas na jarra, hoje era o dia, e a vontade incontrolável já se estava a apoderar novamente de mim. Porquê? Não sei explicar. Mas ainda não é hoje que vou contar.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias