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Fábrica de Histórias

por Closet, em 22.03.09

Miniatura da versão das 06h43min de 19 de abril de 2005

 

Dálias Rosa Pôr-do-sol

- Posso?
Aquela voz soou como uma campainha para os meus ouvidos. Lá estava ela à porta com um ramo de Dálias rosa.
- Entra querida – disse-lhe sorrindo e acenando para entrar.
- Avó, hoje corri três floristas para encontrar estas dálias, vi outras que gostei, mas o pai disse-me que tinha de ser Dálias rosa, que são as flores que a avó mais gosta.
Os meus olhos encheram-se de lágrimas ao ver a sua doçura, já tinha 17 anos, era uma mulher.
- Meu anjo, o teu pai tem razão. Se me quiseres trazer flores, traz estas que são as que me confortam a alma.
Endireitei-me na minha cama.
- Anda, senta-te aqui. Vou-te contar a história das Dálias rosa.
Os olhos dela brilhavam curiosos como duas estrelinhas na minha direcção.
- Quando eu tinha a tua idade os meus pais mudaram-se para uma propriedade de família no campo. A casa era ladeada por terrenos enormes, uma paisagem de perder de vista, linda e selvagem. Tinha iniciado a Primavera e contratámos um jardineiro para tratar dos terrenos, plantar árvores e floreiras em redor da casa. Nunca mais vou esquecer aquela tarde de Março em que conheci o Tomás. Era o filho do jardineiro que ajudava o pai com as ferramentas e os tractores. Tinha 20 anos e um olhar tímido. Vi-o da primeira vez da minha janela, de camisola branca justa que denunciavam uns ombros largos e uns braços musculados. De tão debruçada que estava para o ver que deixei cair o travessão do meu cabelo. Caiu mesmo por cima dele. Fiquei tão envergonhada que fugi para dentro do quarto com o coração a bater. Que tola! Acalmei-me e resolvi ir buscá-lo ao jardim. Quando cheguei,  reparei desolada que ele já não se encontrava lá. Olhei para o chão, e nos canteiros acabados de plantar, também não estava o travessão. Encontrei no meio da terra revolta uma flor cor-de-rosa com um pequeno pedaço de papel. Agarrei-o e li “estarei no Celeiro ao pôr-do-sol”. As minhas mãos ficaram trémulas. Mas ao pôr-do-sol não hesitei em correr até lá, com o cabelo solto em longos canudos negros e a face rosada de nervosismo. Ele estava sentado em cima dos montes de feno. Tinha na mão outra flor igual. “Chama-se Dália rosa pôr-do-sol” disse-me estendendo a flor. Uma combinação maravilhosa mesclada de rosa e branco. Agradeci e disse-lhe que não conhecia esta flor. Ele disse-me que era a "minha" flor, com a convicção de quem me conhecia bem. Conversámos até ao sol se pôr no horizonte em tons avermelhados. E assim o fizemos no dia seguinte, e no outro, e no outro. Conversávamos sobre tudo, tornámo-nos cúmplices de segredos e sonhos.
Naquela Primavera, toda a paisagem à nossa volta crescia, os campos tornavam-se verdes, das árvores nasciam as primeiras folhas, abriam-se os botões das flores para exibirem pétalas coloridas. Assim desabrochavam os nossos sentimentos, cada vez mais impulsivos e inebriantes.
Numa tarde quente de Maio, caímos exaustos em cima do feno depois de andarmos a correr atrás de uns coelhos pequenos que tinham fugido. Estava calor e ele tirou a camisola suada. De repente os meus olhos fixaram-se no seu peito entroncado e o que se passou depois é difícil explicar. Só o ceú testemunhou a paixão que queimava os nossos corpos entrelaçados naquele chão de feno. Amei pela primeira vez, de forma inesperada e imprevisível. Como deve ser o amor.
Nesse dia ficámos abraçados até as estrelas romperem o céu escuro. Acho que sabíamos que a nossa primeira noite iria ser também a nossa última. Aproveitámos cada segundo, tacteando com as mãos no escuro, percorrendo com os lábios o corpo. O tempo, o nosso tempo, estava a acabar como a areia de uma ampulheta.
No dia seguinte os meus pais descobriram o que se passava entre nós e proibiram o Tomás de me visitar. Os nossos mundos eram paralelos, impossíveis de se cruzar. Nunca mais o vi. Soube mais tarde que ele foi trabalhar para França com um tio.
Naquela Primavera as flores multiplicavam-se no nosso jardim com as suas pétalas coloridas. Passei a contemplá-las todos os dias, a cuidar delas, a regá-las com carinho. Eram o que me restava do Tomás. Canteiros repletos de maravilhosas Dálias rosa.
História escrita para a Fábrica de Histórias

publicado às 22:46


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