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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Por muitos anos que viva (e já passaram uns quantos), por muitas pessoas que conheça e por muitas ilusões e desilusões que tenha, continuo na minha: o melhor do mundo são as PESSOAS.
Não me falem em lugares maravilhosos na terra, manjares divinos ou objectos de desejo colossal. São as pessoas que me trazem felicidade. Pessoas com quem me cruzo na rua, acidentalmente ou por força do destino, com quem troco olhares, depois palavras, seguem-se beijos e abraços. Cruzam-se vidas.
Talvez tenha o terrível defeito de gostar tanto dessas pessoas e dessas pessoas gostarem de mim, de tal forma me cativam e agarram a alma. Para sempre. digo baixinho. Porque o "para sempre", sempre me assustou.
E desdobro-me para estar com quem gosto, da forma que posso e reconhecendo que não consigo chegar a todo o lado, que os braços não esticam o tempo nem alcanço todos os lugares.
Mas há surpresas na vida. Por acidente ou destino há surpresas fascinantes. E se há pessoas que dizem mal das tecnologias, eu sou daquelas que acordo todos dias e digo: ainda bem que temos isto! Encontrar amigas de há mais de 20 anos não era fácil, nem era sequer possível. Não havia emails, telemóveis... um mundo de anonimato para nos perdermos umas das outras. Para sempre, pensava. E o para sempre, que tanto me assustava, também foi contrariado.
Mais de 20 anos depois (quase metade das nossas vidas), pelas mãos das tecnologias e o esforço do nosso "treinador-pai-amigo", foi possível encontrar as pessoas com quem partilhei os anos mais divertidos da adolescência. Pessoas de quem me separei com a ingenuidade de que nunca as perderia. Pessoas que perdi, por anos a fio, sem nunca esquecer. Tínhamos como palco as linhas do campo e como pano de fundo o xadrez da rede de volei. Tínhamos os treinos diários, os jogos ao fim-de-semana, o caminho a cantar na camionete, os jantares em Almeirim, os estágios e torneios nas férias da Páscoa, tínhamos gritos de saudações entoadas, uma amizade desmedida, tínhamos tudo o que cada uma precisava e queria da vida.
Agora, entre jogos de volei na praia ao fim-de-semana, partilha-se ... vidas. Um tudo-nada que nos preenche o dia e o pincela de cor. O riso dos filhos que correm juntos na areia, a companhia dos maridos, dos namorados. Os cães! Partilha-se cada minuto que se respira, entre receitas culinárias e desabafos de alguém. Comemoram-se as vitórias, enterram-se as derrotas, fazem-se novos projectos, em conjunto e em separado. No grupo, há sempre alguem que pergunta, há sempre alguém que responde, há sempre alguém que está lá e ao mesmo tempo aqui, porque a sentimos tão perto. Aqui ao lado. Sim, há sempre alguém perto, que ri e faz rir, que ouve e responde. Para partilhar gargalhadas, dúvidas e medos. Há sempre uma de nós. E todas ao mesmo tempo. Há a companhia diária, o aconchego da certeza que estão lá, sempre que for preciso. E mesmo quando não for preciso, estão lá também! Mas é sempre preciso. Reconhecemos. Temos saudades. No nosso grupo, há sempre alguém.
Esta semana tive de alterar o contrato da electicidade da minha casa, que, lucky me, está em meu nome. Como o mercado vai ser regulado, blablabla:
- ”Querida, tens de ligar para a edp”
…ok…
Parece que existem umas campanhas de descontos a circular pelas empresas fornecedoras. Ligo para a primeira e, depois de uma conversa de surdos com uma senhora simpática que me explicou que as campanhas divulgadas não servem para o perfil da minha utilização (três vivas ao marketing), apresentou-me, assim muito enfadada, as 2 possibilidades que eu tinha para aderir. 30 minutos depois e tinha a minha ficha feita à espera que eu ligasse de volta, depois de decidir a melhor alternativa no seio do meu lar.
Chego a casa radiante, debito as duas propostas ponto por ponto, vírgula por vírgula e … guess what?
- “Não interessa, querida, tens de ligar para a galp”
… ok…
No dia seguinte volto à carga, munida das facturas da electricidade e gás e já mais confiante no discurso.
- Boa tarde, em que posso ajuda-la?
- Eu quero mudar a electricidade e gás - respondi convicta.
Do outro lado, o rapazinho de voz anasalda entrou em modo gravador automático e disse algo semelhante mas com o triplo das palavras: “precisamos-de-gravar-as-chamadas-porque-isto-serve-de-contrato”.
Depois de “sim, concordo”, “sim, aceito”, “sim, autorizo” em modo repeat, lá iniciámos a nossa espécie-de-conversa.
- Quantos kvwhatever de consumo? Qual a potência contratada? Qual o número do contrato?
E eu com tudinho ali na factura-cábula! Confesso, senti-me a verdadeira expertise de electricidade.
Até que sai um disparo assassino assim do nada, como se estivéssemos a jogar trivial Pursuit, naquelas perguntas que não lembra o diabo.
- “E o seu contador é monofásico ou trifásico?”
- What?? Onde é que isso está na factura?
- Não está – respondeu a criatura, com um sorriso tal que se podia ver através do bocal o túnel cavernoso da sua garganta.
- NÃO está? – Protestei indignada – Pára tudo!
E foi assim que ele me venceu. Tive uma lavagem cerebral sobre as fásicas todas que existem: as mono, as bi, as tri e outras tantas que devem existir mas não se acusam…Não que me interessasse para alguma coisa, na verdade já não me lembro neste momento quais são as diferenças e para que servem. Mas fechei o contrato. E para que não houvesse dúvidas, ficou decidido que em minha casa habita um belo contador monofásico, em verdadeira comunhão com a minha ignorância, claro.