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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
retalhos...
«Deixo aqui o que resta de mim para ti. Assim, rascunhado neste pedaço de papel arrancado de um caderno qualquer.
Não sei se te lembras da minha morada, se ainda tens a chave, nem se algum dia virás cá.
Mas se, por acaso, passares e encontrares esta carta, saberás que é para ti. Como uma espécie de despedida que aconteceu há muito e nunca aceitámos ou assumimos.
Neste momento, restam-me memórias de momentos em que me fizeste renascer de alguma forma que eu ainda desconheço, num misto de euforia e hesitação... nada corroi mais por dentro que resistir aos impulsos de uma paixão, e ter de deixa-la ir, resistir, desistir.
Como é que te sentes por ter ganho? Sempre foste melhor jogador, calculaste sempre pormenorizadamente cada jogada... tinhas o rei, a rainha e cavalos, e eu só tive peões, andei a pé, num ritmo lento. Tu estiveste sempre atento, jogavas bem.
Olho para trás e questiono-me se devia ter-te conhecido. Se devia ter-me sentado ao teu lado naquele dia e conversado contigo. Nem sei a partir de que momento penetraste no meu olhar de forma diferente, assim de rompante, e invadiste-me com um sorriso que me prendeu numa confusão entre a irritação e o desejo inebriante de estar contigo, falar, ver-te... tudo em nós foi uma enorme confusão. Não me descarto de responsabilidades, e eu sempre contrariei a razão. It takes two to tango, I know... Mas no meio de tudo não compreendo a tua indiferença, a hipocrisia, o fingimento e os pequenos golpes premeditados, calculistas, errados. Para quê se nunca gostaste de mim? Se o jogo nem tinha chegado ao fim e eu já estava no colchão, admiti logo que não tinha força para lutar. Porque te quiseste vingar? És assim tão diferente de mim?
Ainda assim, queimou-me a alma esquecer-te..., Não é todos os dias que nos apaixonamos por alguém, ainda que platónico, impossível, uma paixão deve ser vivida. Que sabor tem a vida sem paixão? Ambos sabíamos que depois de consumida ela correria o seu percurso natural e ía morrendo, esmorecendo aos poucos. Ambos sabíamos que não seria mais do que isso. E então? Porque fugiste?
O calendário é um pedaço de papel ingrato, com muitos números, e eu nunca te pedi nada, não te perguntei nada... porque nunca me enfrentaste? porque nunca disseste, nos meus olhos, o que sentiste quando te beijei de repente? O que pensavas enquanto esperavas sem saber se eu ía voltar? Porque me mostraste o teu mundo, a tua casa? Porque enrolaste o teu corpo no meu e deixaste o barco afundar? Porque fizeste apaixonar-me por ti? Como é que te sentes agora com a vitória? A vista é boa do alto do pódio? Que tal a fama, a glória?
Não vivemos numa ilha de esquerdinos, se a paixão por consumar pode durar com intensidade, o seu destino caminha derradeiramente para a desilusão. E eu desiludi-me. Demorou tempo, demasiado. Mas finalmente percebi que não há nada em ti para mim. E que afinal fajuto é um adjectivo que só e unicamente te assenta a ti.
A partir de hoje abrigo-me na Ilha do Silêncio. Pode
s ver-me, até raspar por acidente o corpo no meu , mas as palavras entre nós serão mudas, nau fragaram vazias de acção.»