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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Entrou no café distraída, directa ao balcão. Deparou-se de frente com o seu vulto, sentado, sozinho.
Mexia um café, e divagou nos seus ombros largos numa camisa que não recorda a cor.
Recorda o olhar que desajeitada desviou e fingiu não reparar. Sentiu o peito a sufocar.
- Um café - disse ao empregado, sentindo uns olhos percorrerem-na, ansiosos de um confronto violento.
Aqueles jogos ridiculos de quem tem medo de falar. As palavras matam. Mata também aquele olhar. Profundo e viciante.
Evitou-os torturando-se, esmagando-se por dentro. Daria tudo para olhar, invadi-lo loucamente, toca-lo, vê-lo sorrir. Mas já não tem forças para pedir, mendigar nem mais um gesto. Não quer saber.
Engoliu o café, quente, a ferver. E sentiu-se arder, contornando a mesa dele sem respirar.
- Olá - disse ele baixinho - Tudo bem?
Que hipocrisia. Ele não quer saber o que ela sentia, para onde vai ou de onde vem.
Que sim, mumurou num passo apressado, e acenou-lhe um olá amargo. De costas voltadas.
Continuou o seu caminho. Não olhou para trás.
Claro que ele não a seguiu.
Sempre fora ela a insistir, a sonhar no vazio.
Hoje evita o choque corrosivo dos seus olhos, vai esquecer.
Esquecer o travo dos lábios, o toque da pele, o encaixe dos corpos, perfeitos, insatisfeitos sem perceber.
Murmurou "tudo bem" ao longe de costas voltadas. E quase voltava atrás, num impulso voraz.
Fingir mais uma vez. Mas não o fez. Foi capaz.
Encenou um olhar cego envidraçado
E escondeu o seu olhar sem-abrigo, carente, ausente
que sobrevive abandonado.