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Fábrica de Histórias

por Closet, em 28.03.10

 

Fotografia desfocada

 

Numa manhã, quando o sol entrou no quarto, ela tropeçou numa fotografia antiga.

Uma fotografia desfocada, gasta e descolorida. Perdida, não sabe como, da sua vida. Não sabe quando, numa espécie de acto vândalo, apagou-o da memória. As fotografias, as cartas, toda a história.

Apagou os olhos cor de avelã, que a beijavam com o perfume do deslumbre. 

As mãos que arrancaram o seu coração, num golpe certeiro e profundo. Desorientaram os ponteiros do seu mundo, envolto em sonhos e paixão. As palavras embriagadas, em suave espuma de cerveja, toldavam-lhe a razão. Palavras confusas, sem sentido, como as músicas que lhe cantava ao ouvido. Apagou o caminhar desengonçado e os braços que a enlaçavam rendida. Apagou a imensa alegria de chegar, a constante dor na despedida.

Apagou a inocência irreverente, a intensidade de sentir, apagou as palavras “para sempre”.

Agora, tantos anos depois, imagina onde estarão aqueles dois. Numa qualquer dimensão da vida. Distante, secreta, escondida. Ali nada mais havia, do que aquela fotografia. Antiga, desfocada, descolorida. Que apareceu assim sem aviso, sedenta de recordações. E ao vê-la, mesmo gasta pelo tempo, sente um tormento de emoções. Quase que pode de novo senti-la. Sentir-se a ela, como era, em tudo o que fazia. O ímpeto de agarrar o que desejava e o que sentia.

Não sabe como nem quando, mas um dia enterrou-o no baú da sua vida.  Aparece agora, perdida, aquela fotografia desfocada, gasta, descolorida, tal fénix renascida. Encandeou-lhe o olhar, como se falasse consigo. Ou talvez fosse o sol a atravessar o postigo? Não, era ela, triunfante! Arrebatou-a, caiu na cama, indefesa e ferida. Já não sabia, se sonhava se vivia. Mas naquele momento, não existia nada que recordasse mais que a paixão ardente daquele amor. Nada que desejasse mais, do que aquela fotografia, desfocada e gasta, ganhasse cor.

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias sobre o tema Saudade.

 

publicado às 23:39


6 comentários

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De miúda* a 29.03.2010 às 16:20

Costumo dizer que por vezes as maiores saudades são aquelas que o não vivido deixa. Detalhes e pormenores.
Gostei da história impressa na saudade de uma fotografia que já foi vida :)
Bjinhos**
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De Closet a 30.03.2010 às 13:14

Sabes que já não és a 1ª pessoa a dizer isso? E eu não consigo compreender... só sinto saudades do que vivi e senti... do que poderia ter vivido sinto apenas uma espécie de arrependimento nostalgico... que me perpetua para sempre na imaginação!
Sim, uma foto assim antiga que nos aparece de repente... acende memórias e saudades ;) beijinhos***

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