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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Dolce Vita
Naquele fim da tarde o átrio estava cheio de pessoas a correr apressadas. Clara vagueava por entre as montras das lojas. Esperava Luís, mas não tinha muitas esperanças que ele viesse. Esperava, impaciente, passando a mão pelo cabelo dourado que lhe cobria os ombros. Ouvia o seu mp3 que enfiara num bolso das suas calças pretas justas, onde desaguava uma camisa desabotoada cor de ameixa. O telefone tocava e ela remexia dentro da sua mala de pele preta, tamanho XL, que tinha comprado em Londres. Nunca o encontrava quando queria. Encontrou-o finalmente por entre uma bolsa de maquilhagem e uma agenda que nunca usou mas que insistia em trazer consigo. Atendeu e, sorrindo, olhou para trás.
Luís descia as escadas rolantes com o habitual sorriso trocista no canto da boca e os olhos escuros rasgados que a seduziam. Clara estava apaixonada por ele mas não admitia. Não podia. Luís era um jornalista solteiro e bon vivant. Conheceram-se por acaso, quando ele fez uma reportagem na escola onde Clara dava aulas. No fim das filmagens pediu-lhe o telefone dizendo que era um procedimento normal. Clara não hesitou em dar-lhe. Nessa mesma noite Luís telefonou-lhe a convidá-la para jantar, brincando que era para fazer uma reportagem pessoal. Clara não resistiu à sua descontração, e mesmo sendo casada foram combinando cafés e jantares sem dia marcado, sem obrigações, nem perguntas, nem justificações.
Luís tinha-se perdido e ela já não acreditava que viesse, mas ali estava ele, de mãos nos bolsos sorrindo. Clara seguia-o com os olhos, admirando o seu tronco largo enquadrado num 1,80 de altura e num cabelo desalinhado castanho escuro. Trazia a camisa por fora de uns jeans deslavados, com o seu habitual ar descontraído de quem vivia o dia a dia sem grandes pressas. Clara estremecia e sentia a sua pele clara incendiar-se sempre que o via.
Levantou o sobrolho, na tentativa vã de travar os lábios que teimavam em rasgar-se, desnudando a sua felicidade e nervosismo. Impassível, os braços dele rodearam-lhe o pescoço e inevitavelmente os seus olhos prenderam-se nos dele, atraídos como iman. De repente, estar com ele, era tudo o que fazia sentido.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias