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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Porque não?
Já estava atrasada. Todas as manhãs era uma correria. Tinha de deixar o Tomás na escola às 8h30, nem mais um minuto.
O portão do colégio teimava em não abrir… Empurrava com toda a minha força enquanto voltava a tocar à campainha.
- "Posso?" – perguntou uma voz atrás de mim.
Voltei-me. Era o pai do Manuel, alto de cabelo castanho claro a cair desalinhado por uns olhos verde claros. Já o tinha visto algumas vezes de manhã, quando apressados os nossos olhos se cruzavam num sorriso esquivo. Trocávamos sempre um "Bom dia" sumido, tímido, embatido num "até logo" que nunca acontecia.
Ía responder-lhe quando fui interrompida.
- “Olha Tomás os nossos ténis são iguais” – dizia uma criança junto a ele.
- “Pois são, Manuel, os meus são novos” – dizia o Tomás contente.
Rimos-nos os dois, com uma empatia fora do vulgar.
- “Eu sou o pai do Manuel. Chamo-me Pedro. Parece que os nossos filhos são amigos. ”
Esbocei um sorriso atrapalhado e disse:
-“Sou Teresa, o Tomás fala-me bastante do Manuel sim. Olhe, estou atrasadíssima, ainda vou apanhar imenso trânsito até à Expo, consegue abrir este portão?”
Pedro abriu o portão e fomos juntos levar as crianças à sala. Perguntou-me onde trabalhava e por coincidência também trabalhava lá perto.
Voltámos juntos e despedimo-nos junto ao portão com o habitual “até logo”. Desta vez Pedro piscou-me o olho e os seus lábios rasgaram um sorriso inebriante.
Entrei no carro ainda atordoada com aquele olhar que me incomodou. Ía a arrancar quando Pedro bateu no vidro e gesticulou para o abrir.
-“Estava a pensar se podíamos almoçar juntos hoje lá pela Expo. Gostava de falar consigo sobre o Manuel. Perguntar-lhe uma opinião...”.
Fui apanhada completamente desprevenida e balbuciei um imediato
- "Não sei se posso, se tenho coisas marcadas lá no escritório..."
Aquele convite assim, vindo do nada, parecia tão estanho quanto apetecível. Sabia bem que não o devia aceitar. Devia recusar, inventar uma desculpa, qualquer uma era mais que aceitável...Eu era casada e ele muito provavelmente também. Seria estranho combinarmos assim um encontro...Que opinião minha poderia ele querer? Estaria a atirar-se a mim com uma desculpa esfarrapada ou teria algum problema com o filho?
Questionava-me enquanto ele me esticava um cartão com os seus contactos.
- "Combinamos por volta das 13h? Telefone-me se puder."
Agarrei o cartão com um sorriso que teimava em sair, comprometido, envergonhado. "Bonito. Agora ficou a bola do meu lado" pensava eu irritada comigo mesma...
Arranquei e fiquei a vê-lo desaparecer pelo espelho retrovisor. Tinha uma figura estupidamente atraente nuns jeans escuros e uma camisa por fora, demasiado atraente.
"Director Comercial" podia ler no seu cartão. "Óbvio. Por isso tinha aquela conversa fácil, aquele piscar do olho..." resmungava comigo mesma.
Na minha cabeça agitavam-se um turbilhão de ideias.
Será que precisávamos de querer alguma coisa um do outro para ir almoçar? Seria assim tão estranho conhecermo-nos? Afinal os nossos filhos eram amigos... E se fosse a mãe do Manuel ninguém iria achar estranho, que sociedade preconceituosa...Tentava a todo o custo encontrar razões para aceitar. Tinha uma vontade imensa de o conhecer, saber o que fazia, onde cresceu,...Definitivamente tinha simpatizado com ele, mas desconfiava que aquele almoço poderia ser diferente, poderia ser mais do que um simples almoço... a nossa empatia foi imediata e assustadora. Deveria arriscar?
Cheguei ao escritório e procurei na minha agenda uma reunião que impossibilitasse a minha hora de almoço. Nada. Estava escrito no destino...
Coloquei o cartão na minha frente. Fiquei a olhar para ele à procura de um sinal. Tinha 3 horas para pensar.
História ficcionada para a Fábrica de Histórias.