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Fábrica de Histórias

por Closet, em 12.02.09

Sem pés nem cabeça 

Eles frequentavam um curso todas as terças e quintas, depois das 18 horas.
Ela inscreveu-se para não enfrentar em casa um casamento apagado, ele ía para evoluir numa carreira em que não estava interessado. Ambos estavam lá pelo motivo errado, por destino sentados lado a lado.
Uma conversa, uma piada, olhares e sorrisos e, de repente, sentiram-se atraídos.
Trocaram e-mails do trabalho. Trocaram dois beijos na despedida. Trocaram as mãos. Trocaram as voltas à vida.
Os e-mails começaram, primeiro um, depois dois, três, quatro por dia, num viciante jogo de ping-pong, quando um atacava, o outro defendia. Primeiro falavam do curso, depois de assuntos banais, depois desabafos, piadas, ironias, coisas inventadas, coisas reais.
Ele deu-lhe o seu telefone. Ela dizia que não o queria. Apagou-o tantas vezes, voltou a escrever. Até que percebeu que já não o conseguia esquecer.
Telefonou por tudo, telefonou por nada, zangou-se com ele. Pediu para não lhe telefonar, depois amuou por ele não lhe falar. Ele falou. Foi falando sempre. Ás vezes divertido, outras indiferente.
Encontraram-se na praia, beberam um copo num bar, estiveram sentados na areia, até a lua chegar.
Num encontro inesperado, ele não a conseguia encontrar, ela foi ao seu encontro, sem sequer imaginar. Uma cerveja gelada, uma conversa para distrair, ela levou-o a casa, ele convidou-a a subir.
Uma casa vazia, uma cama desfeita, um beijo esquivo na despedida, uma química perfeita.
Ela fugiu confusa, sem saber o que fazer, arriscava a sua vida segura, procurava casas para viver. Ele rodopiava em círculos sem saber o que sentia, queria estar com ela? Ou não queria? E enquanto esperava bebia.
Ela voltava para casa, com as lágrimas no olhar. Mas recebeu uma mensagem dele a convidá-la para dançar. Ela não queria ir, mas acabou por voltar.
Uma música de fundo, uma conversa melada, corpos entrelaçados, até de madrugada.
Ela deslizou dos seus braços como um pássaro ferido, nesse momento sabia que já o tinha perdido. Ele deixou-a partir, num adeus amargo e frio. Apenas ficou entre ambos um desconfortável vazio.
No dia seguinte não falaram. Nem no outro, nem depois. Como se tivesse sido um sonho, vivido estranhamente a dois.
Conversas surdas, diálogos mudos. Seguiram a sua estrada. Nenhum quis assumir que estavam numa encruzilhada.
E nunca mais se encontraram, ou falaram sobre o que cada um sentia. Mas continuaram sentados, lado a lado, como os estranhos do primeiro dia.

(Texto escrito para a Fábrica de Histórias)

 

 

publicado às 00:04


16 comentários

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De miúda a 12.02.2009 às 00:42

E se eu disser que mais que uma história sem pés nem cabeça esta é quase a minha história? No fundo tudo termina com um simples "E nunca mais se encontraram, ou falaram sobre o que cada um sentia. Mas continuaram sentados, lado a lado, como os estranhos do primeiro dia."
Ironias da vida encontradas em cada pedaço de coincidencias...
Um beijinho***
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De Closet a 12.02.2009 às 22:22

Nem mais... coincidências!
É qué afinal há muitas histórias sem pés nem cabeça ,-)
E já agora, se estão "lado a lado", porque nunca falaram sobre o que sentiram?
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De miúda a 13.02.2009 às 19:59

estamos lado a lado 5 dias por semana, curiosamente ele afastou-se de mim do nada, passando a agir como se não me conhecesse. tentei varias vezes meter-me com ele mas sem efeito. cheguei à conclusão: o burro que o levou que o volte a trazer ;p
eu para ele fui uma aventura, ele para mim algo mais. incompatibilidades de sentimentos, algum dia isto se ha-se resolver e talvez fiquemos amigos de novo...
gostei da historia, deliciosa como sempre :)
***
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De Closet a 13.02.2009 às 20:25

as histórias mal resolvidas são o pior... na verdade cada um pensa que sabe o que o outro sente e pensa, e às vezes estão os dois errados, ou apenas um, não se sabe qual... dava uma boa continuação para a história, certo? Achas que continue? Imaginação não me falta e até posso fazer 3 versões de final e cada um escolhe o que mais gosta ,-)
Compreendo-te bem, linda ,-) tudo se resolve com o tempo... a paixão tem prazo de validade, está descansada!
Beijinhos
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De miúda a 13.02.2009 às 23:48

hum, já estou curiosa pelo continuar da historia. a tua mente é brilhante é sempre uma expectativa muito boa esperar pelo que ai vem! e eu espero :)
sim felizmente que a paixão tem prazo de validade, tornar-se-ia monotono não gostar de mais ninguém daquele jeito que só o nosso coração sabe gostar cada vez que se apaixona ;p
beijinho***
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De Closet a 16.02.2009 às 00:19

prometo que vou pensar em continuar a história um dia destes, quando tiver inspiração... mas aviso já que qualquer um dos finais será "final feliz" que é a minha especialidade ,-) é que há sempre uma volta a dar!
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De mafalda a 12.02.2009 às 11:06

intenso! é a primeira palavra que consigo arranjar para descrever o que acabei de ler!
já estava a imaginar-te em cima do palco, a ditar este monólogo perfeito, a andar de um lado para o outro com desespero, com ternura, com doçura, com ódio... qual actriz de teatro!
ADOREI!!!!
beijinhos.

ps. tens um desafio no meu blog.
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De Closet a 12.02.2009 às 22:24

É verdade, teria um jeito louco para declamar em cima de um palco ,-)
mas não gosto de dar autógrafos, ehehe =)
Obrigada amiga, e pelo deafio também... ou não... é difícil este !!
Beijinhos
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De KI a 12.02.2009 às 11:59

Extraordinário e muito bem escrito. Perfeito!
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De Closet a 12.02.2009 às 22:31

Obrigada =)
Se compreendeste o que se passou entre aqueles dois, explica-me, ok?
Bjs
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De Diogo a 12.02.2009 às 16:13

Mais um...muito bom...

Bj
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De Closet a 12.02.2009 às 22:35

é sempre um prazer escrever para vossemecê!!
Bjs "à mim" ,-)
PS: olha agora há uns pacotes novos da Sical, acho, que dizem "gosto do meu café..." e depois sai "frio", "suave"..e a mim saiu-me o quê??? "a escaldar", claro :)) just me!
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De umdiadepoisdooutro a 12.02.2009 às 16:35

Adorei!
Tantas vezes aquilo que tanto fantasiamos e que ansiámos acaba sssim que o pomos em práctica.
Mas se não experimentarmos nunca vamos saber se...

Beijinhos
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De Closet a 12.02.2009 às 22:37

é verdade... às vezes não se deve passar do plano da imaginação. Como estes dois não correu nada bem ,-)
Beijinhos
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De Vera a 15.05.2010 às 12:03

Como já disseram num comentário, numa história aparentemente tão vaga, pode encaixar-se na nossa vida como uma luva!
Intensa e muito bem escrita, transpira emoção! : )
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De Closet a 16.05.2010 às 17:01

Pode sim, e às vezes, muito do que vivemos, é ao recordar (naquela tortura de memórias por apagar), que percebemos que afinal... não tinha pés nem cabeça!
bjs

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