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Fábrica de Histórias

por Closet, em 09.04.12

 

Um serão em família

 

Já estávamos em cima da hora para o jantar de anos do nosso amigo. Eu, a minha sogra e os miúdos agarrávamos os casacos, a mochila com as consolas, o presente e os ovos de chocolate e as amêndoas da Páscoa. De braços ocupados, fechámos a porta de casa num movimento firme e decidido. Pumm! Tenta-se dar a volta a chave para fechar. Nada. Novamente. Nada.

- O que se passa? – Pergunta a minha sogra intrigada tentando rodar a chave na ranhura.

- Upsss… Acho que a minha chave ficou lá dentro, na fechadura.

 

E assim começou um serão diferente.

O frio apertava e as nuvens ameaçavam chuva a qualquer instante. Os miúdos, sempre convenientes, gritavam em alto e bom som “agora vamos dormir na rua?”. E na verdade a perspectiva não era a melhor, já que as chaves da garagem também estavam no interior e toda a casa tinha as portadas fechadas.

 

Os meus vizinhos, sempre prestáveis, ofereceram-se logo para ajudar. Ele, dentista de profissão, apareceu com uma caixa de ferramentas em punho e conseguiu de facto desmontar o aro da fechadura. Mas a porta continuava fechada. Ao seu melhor estilo de assaltante-nas-horas-vagas também tentou abrir a porta com um cartão como se vê nos filmes, mas dado que não se tratava de caries e assuntos relacionados, o seu sucesso foi zero.

 

Entretanto chegavam familiares dos meus vizinhos com filhos, chega um, chega outro, e todos vão desfilando pela minha porta, dando sugestões de abertura. Optámos por ir para as traseiras tentar arrombar a janela da cozinha. Voltam as ferramentas e agora já mais 3 homens para ajudar à coisa. A minha vizinha, preocupada com o frio e a chuva que agora caía, fez questão que entrássemos para dentro de casa e onde deixei à entrada os sacos do presente, dos ovos e das amêndoas da Páscoa ocupando todo o hall de entrada. Os miúdos já corriam desaustinados com os outros miúdos, espezinhando o corredor, e eu fui conduzida para a sala. Lá, uma mesa enorme estava elegantemente posta para o que deveria ser um agradável jantar de família, isto se nós não aparecêssemos para estragar. Um irmão, ou cunhado, ou primo (não perguntei quem era), sentado ao meu lado no sofá mostrava-me a rir o filme que gravou no seu i-phone dos outros três a assaltarem a minha casa. Mostrei-lhe os dentes por delicadeza e continuei à procura do telefone dos bombeiros. As quatro mulheres irmãs, ou cunhadas, ou primas, circulavam pela sala olhando para mim de alto a baixo e questionando-se seriamente se eu ficaria para jantar, convite que gentilmente declinei da minha vizinha.

 

Telefonema para os bombeiros, lá os consegui convencer a vir a minha casa, ainda que teriam de trazer as autoridades. “Meus senhores, tragam quem quiserem, o Super-homem, o Sarkosy, o Cristiano Ronaldo, mas venham abrir-me a porta!”

E ali estávamos nós, na quinta-feira à noite, véspera de sexta-feira santa, em casa dos meus vizinhos. Eu, a minha sogra, os meus dois filhos e finalmente o meu marido (que chegou com aquele ar de quem espuma “o que é que fizeste agora?”).

 

Os bombeiros chegaram num carro enorme e, num ápice, um sujeito fininho empurrou a portada para cima e com um jeitinhozinho… Tchanan! Abriu a janela da cozinha, perante o espanto dos familiares do meu vizinho, irmãos, cunhados ou primos, que tinham experimentado quase todas as ferramentas existentes no mercado (menos o jeito-para-a-coisa).

 

As autoridades foram canceladas e estávamos novamente dentro de casa com satisfação, nossa e dos nossos vizinhos que puderam finalmente jantar em família sossegados, ainda que com uma hora de atraso. Ainda nos perguntaram amavelmente se desejámos jantar com eles e quase, quase pensei em aceitar passar aquele serão em família, dos outros!

 

 

Testo escrito para a Fábrica de Histórias (baseado em acontecimentos reais!)

publicado às 00:41


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