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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Moulin de la Galette (1889), Toulouse-Lautrec
Nos teus braços
- A menina dança?
A tua voz aveludada percorria-me a pele. Não conseguia evitar estremecer, arrepiada.
Queria dizer-te que sim, que dançava. Claro que dançava! Contigo fazia qualquer loucura, saltava do cume de uma montanha para o abismo. De olhos vendados, nem hesitava. Mas não disse nada.
A música tocava alegre e os corpos à nossa volta balançavam como os pendões de um relógio, ritmados. E nós aqui, sentados, a olhar um para o outro. Imóveis, encantados.
Os risos ecoavam pela noite, iluminando os rostos nervosos, apaixonados, de quem dançava uma valsa por instinto, sem pensar. Um passo para o lado, outro para o outro. Tão simples. Era assim que dançavam os comuns mortais. Era uma valsa, nada mais.
Olhavas-me. Fixamente. Sei que tentavas descobrir exactamente o que estaria a sentir naquele momento. Se desejaria mais do que uma valsa quando as nossas mãos se tocassem para me conduzires? O que aconteceria quando me enlaçasses a cintura, segurando-me junto ao calor do teu corpo? Sim, sei que pensavas como conseguiria evitar tremer com a tua respiração no meu pescoço, os teus lábios a centímetros dos meus.
Desafiavas-me. Com impetuosidade.
O teu sorriso rasgado enfrentava o meu. Empurrava-me, como um vento forte que de repente soprava, de tal forma era o seu poder. E a voz persistente, mágica, voltava à ribalta, deixando-me a tremer.
Nada quebrava aquele instante, enquanto a multidão dançava e os meus olhos perdiam-se nos teus.
Seduzias-me, numa espécie de compasso lento, sei que irias despir habilmente o meu vestido apertado naquela praça, irias romper violentamente a minha pele e furtar a minha alma agitada.
Iniciava agora uma nova valsa. Levavas-me na melodia que emanavam os teus braços, inconsciente, feliz.
Sei que morreria ali, aquela noite, nos teus braços.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias.