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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Cumplicidade
- O que achas que me falta?
Sara estava sentada com os pés enterrados na areia enquanto olhava fixamente a linha do horizonte. Amparando as suas costas, Afonso envolvia-lhe o corpo com os braços, como se a segurasse de um abismo. Com os lábios, percorria-lhe suavemente o pescoço e aquecia-a com a sua respiração que a acalmava.
Sara repetiu a pergunta, voltando a cabeça e olhando-o nos olhos:
- A mim, o que achas que me falta?
- Cumplicidade - Sussurrou numa voz grave, junto ao seu ouvido.
- Cum-pli-ci-da-de.
Soletrava como se fosse uma palavra desconhecida.
Recostou-se de novo, encaixando-se no seu tronco como numa concha. E nesse calor, por momentos, quase se esquecia que existia.
- Talvez seja isso, Cumplicidade. Como num assalto por exemplo, cumplicidade é... Confiar no outro? Planear em conjunto, ser especialista em algo que falte ao outro? Não estou a conseguir chegar a lado nenhum, acho que não é nada disto...
Afonso enrolou-a nos seus braços, como uma onda do mar. Beijou-a sofregamente, não lhe dando qualquer hipótese de se afastar. Era um beijo tão intenso, como inesperado, parecia devora-la, tirar-lhe completamente o fôlego.
- És sempre assim violento, como a beijar? – Perguntou-lhe entre o seduzida e o assustada - Tenho a sensação que eu sou um rio calmo e tu um mar agitado, com ondas altas e correntes fortes que me impedem de nadar em qualquer direcção.
Afonso sorria atrapalhado:
- Sabes que todos os rios desaguam no mar?
Sara abrigou-se novamente no seu corpo quente, enrolando-se nos braços que a envolviam. Fixava o olhar no horizonte onde as estrelas já povoavam o céu com pontinhos brilhantes e o mar espelhava o brilho da lua.
- Acho que Cumplicidade é…partilhar segredos, desejos, frustrações... É esse "partilhar" espontâneo não é? Que se alimenta dele próprio, incapaz de se esgotar. Num filme ouvi que a maior magia no mundo é o pequeno espaço criado entre duas pessoas, a tentativa de se compreenderem e de partilharem algo.
- Acho que sabes o que é cumplicidade. Pode também ser energia, ou uma química, aquela parecida à do prazer, a vida é simples Sara. E seja um beijo doce do rio, ou salgado do mar, podes agora beijar-me?
- CORTA! Acho que ficou bem, temos só de repetir a cena do beijo, quase lhe arrancavas um lábio Pedro!
Escrito para a Fábrica de Histórias