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Fábrica de Histórias

por Closet, em 04.12.11

 

 

 

A vida dá voltas!

 

A vida tem muitas histórias que parecem saídas de um livro. De tal forma parecem irreais e impossíveis de acontecer. Lembro-me por exemplo do meu colega Manel, ou melhor, Manuel Campos, como o tratávamos lá no escritório.

Manuel era um funcionário exemplar, chegava sempre antes das 9h00 e não saía com trabalho por fazer. Era um financeiro metódico, organizado e sempre disponível para ajudar um colega. Podia chamar-lhe um colega “perfeito” não fosse o seu feitio reservado. Demasiado reservado. Se a nível de trabalho não se lhe encontrava um defeito, a nível pessoal ninguém o conseguia arrancar para um copo, uma jantarada ou apenas para uma conversa.

- Manuel, hoje vamos jantar todos a Santos, queres vir?

E Manuel abanava a cabeça imediatamente escondendo-se atrás no seu ecrã do PC. Manuel era incrivelmente tímido, sempre vestido impecavelmente com fatos escuros cinzentos, camisa branca e gravata às riscas. Durante os 6 anos que trabalhou connosco não lhe conheci outra indumentária e cheguei a pensar que não teria mesmo outra roupa, nem calças de sarja ou de ganga, um casaco desportivo ou um pólo. Durante anos questionávamos como se vestiria Manuel ao fim-de-semana, imaginando-o unicamente com um fato cinzento e camisa branca.

Na verdade poucos lhe conheciam a voz, já que ele mal falava. Sempre que podia respondia às solicitações por e-mail e respondia a quem o interpelava em voz muito baixa, olhando para baixo por detrás daqueles óculos de lentes grossas cheios de dedadas.

Manuel era um homem baixinho, franzino, de rosto oval e cabelo liso sempre muito bem penteado com um risco ao lado visivelmente marcado. Tinha quarenta e tal anos, ninguém sabia quantos ao certo, e era definitivamente um indivíduo tímido e introvertido. De tal forma a alcunha dele era “múmia”, já que era daqueles que entrava mudo e saía calado. Ninguém sabia sequer onde morava, e foi a saca-rolhas que lhe arrancámos que não era casado nem tinha filhos, já que tinha sido motivo de aposta entre a malta do escritório.

 

Certo dia de Junho fui arrastada por duas amigas para ir até à feira de Oeiras.

- È giro, come-se umas sardinhas, depois uma fartura!

Diziam elas para me convencerem, já que eu não suportava aquela confusão de gente e barulho.

Uma delas tinha dois filhos gémeos de 6 anos que, não só nos obrigaram a engolir o jantar onde fiquei com espinhas atravessadas na garganta, como não sossegaram enquanto não conseguiram convencer-nos a ir aos carrosséis. Sim, aquele lugar fantástico, cheio de carrinhos de bombeiros, girafas, cavalos, zebras, caldeirões que giram até alguém vomitar lá dentro... E tudo com luzes que encadeavam qualquer criatura que não trouxesse óculos escuros. Depois havia aquelas buzinas fantásticas que fuzilavam todos os presentes antes de começar uma nova “corrida”.

- Vem tia Rita, vem! – Imploravam os pestinhas empurrando-me para o caldeirão dos vómitos. E ali estava eu, resignada a uma viagem de tonturas, ajudada pela infeliz música pimba que adornava o ambiente. Quando uma voz berrava alegre e estridente num megafone:

“E está quase a começar mais uma voltinha, subam todos, meninos e meninas, senhores e senhores, velhinhos e velhinhas, que isto vai começar aaaaaa rodarrrrrrr”

E a criatura do megafone aproximava-se do nosso caldeirão, animadamente a gritar quase a perfurar-nos os tímpanos. Via-o de costas a acenar para quem estava lá fora, aos saltos, rodeando os cavalos e as zebras, com uma alegria invulgar.

“Venham, venham! Ninguém tem medo de rodarrrrr, subam todos que está quase a começarrrrr”.

Ainda com a boca enfiada no megafone chegou ao pé de nós de repente para pedir os bilhetes. Estendi os 4 bilhetes contrariada, quando os nossos olhos se cruzaram e eu gritei:

- Manuel?

 

 

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias.

publicado às 23:11


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