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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
«Nunca te deixarei» disse-lhe um dia a voz aveludada que a embalava. E ela acreditou, com a inocência e doçura como só num primeiro amor se acredita. Acreditou nos abraços que a envolviam, nas palavras que sufocavam beijos.
Depois ele deixou-a de repente, numa manhã triste incolor. Não se recorda o porquê, apenas tem tatuado a dor. O golpe no peito selvagem assustado, a desilusão e o medo. O coração que transbordava ingenuidade, agora frio e estragado, gritava «Gosto tanto dele». Vagueava angustiada sem saber o que fazer. Por onde seguiriam os seus pés, que caminhos iriam percorrer?
Andaram descalços, pisaram ruas abandonadas, sangraram a saudade que só o primeiro amor rasga na pele e a deixa para sempre cicatrizada. Choraram mágoas e silenciaram incompreensões. Calejados, encontraram um caminho numa estrada firme que os acolheu.
E foi descalça, anos depois, que ela o reencontrou. Não se lembra se num vão de uma escada perdida, ou num beco sem saída, num qualquer lugar recôndito do mapa. Encontraram-se no impossível e com lâminas afiadas dilaceraram corpos, sedentos do tempo perdido, confusos, carentes. Magoados. E no impossível, amaram-se outra vez. Descalços, ambos frágeis de sorte e de tempo.
«Nunca te deixarei» repetiu-lhe a voz que, todos aqueles anos, adoçava-lhe os sonhos ao adormecer.
Mas partiu outra vez. Numa tarde embrulhada em novelos de raiva, tristeza e amor. Partiu, com a mesma violência com que chegou. Na tempestade de emoções, inusitada, que só um grande amor pode causar. Ele deixou-a, uma vez mais. Descalça de angústia e medo. Deixou-lhe o sabor na boca, o cheiro do corpo quente e o vazio dos braços que ocupavam todo o seu mundo em qualquer lugar. Deixou um silêncio profundo e descalço. «Gosto tanto dele» repete ainda, pulsando-lhe no peito uma insanidade incontrolável.
O silêncio tem destas coisas, traz consigo as dúvidas que pisam, num círculo repetitivo, o corpo dormente e indomável.