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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Naquele dia ele tomou o café da manhã, como fazia sempre. Os gestos automatizados, com os olhos pousados na torrada e o pensamento ausente. Já não era ele que estava ali à sua frente. Era apenas um corpo frio, despojado de vida, inexpressivo. Sem sangue a bombear-lhe as veias, sem o perfume de uma noite ardente de prazer. Habitava nele um silêncio profundo, como se tivesse caído num abismo enorme rochoso. Talvez por isso não foi difícil vê-lo partir.
Os seus olhos cruzaram-se pela última vez à porta. Recorda, como se atravessasse um deserto imenso na sua memória, como antes esses olhos a invadiam insaciáveis, percorriam toda a sua pele, que arrepiada explodia de desejo. Desejo... ironicamente ele desejou, desejou «bom dia», por entre os lábios que asfixiavam uma vontade de partir. Uma vontade incontrolável, transparente e crua. «Porque não parte?» pensava enquanto acenava um adeus moribundo. Num ritual triste e fúnebre. «Talvez o último adeus», pensava ao vê-lo afastar-se pela janela.
Naquele dia ele não regressou. Não regressou mais. Como o sangue a jorrar num vermelho intenso, derramando pelo seu corpo inteiro, ele retomou a vida.
Ainda assim ela esperou. Ficou à espera. Porque tinha saudades daquele olhar antigo e penetrante, que sorria poesia.
Esperou pelas mãos que há muito não a tocavam, desapertando lentamente cada botão da sua camisa, numa respiração frenética e descontrolada. Esperou para saciar a fome de tê-lo de volta, voraz, improvisado.
Ele já não voltou. «Partiu» convenceu-se. «Desistiu cobardemente».
Partir sempre foi a forma mais fácil de desamar.
(um texto antigo aqui do Blog que reescrevi para o meu cursinho :)... à falta de tempo de escrever só textos para aqui...sorry ...)