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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Fotografava cada pedaço de céu, como se não houvesse amanhã e tudo ao seu redor fosse engolido por um gigante assassino. Fotograva o céu dos sonhos que largava ao vento, esvoaçando como balões coloridos. Iluminavam o tecto da sua vida, alimentavam com doçura os seus dias. Não conheciam o escuro da noite, perdidos nas estrelas vadias. Esvoaçavam soltos das correntes das horas reprimidas, da ordem banal do dia. Pulsavam ardor, entre o desejo e a angústia. Eram sonhos com cor, com formas curvas de alegria.
De um lugar alto e distante fotografava aquele pedaço de céu, e quase o tocava e sentia, quase. Mas era apenas um pedaço de céu numa fotografia.
Pedro tapou-lhe a boca encostando-a contra a parede. Com a outra mão tentava prender-lhe os braços descontrolados, debatendo-se contra o seu corpo trémulo. As palavras faltavam-lhe no momento certo, mais uma vez. As palavras exactas, precisas, capazes de concretizar tudo o que sentia, o que queria que ela sentisse também. Mas não conseguia.
(..)
A luz do hall apagara-se e Sofia foi alvejada pela voz rouca que roçou quente junto ao ouvido. «Tive tantas saudades tuas» sussurrava, percorrendo-lhe o corpo inteiro, num arrepiu dormente de uma saudade embrutecida. Sofia desistiu de lutar contra o seu corpo, exausto de remar contra a corrente violenta de toda a desordem que sentia. Deixou-se cair nos seus braços, como um pássaro abatido.
Pedro apertava-a com força, como se desse abraço dependesse a sua própria vida. Sôfregos, ficaram assim agarrados por momentos intermináveis. Sem dizer nada. Num silêncio intenso onde os ponteiros do relógio pararam cúmplices. Abraçavam cada segundo que sobreviveram distantes, encaixaram os corpos moribundos.
(do meu pseudo-conto)