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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Segundos de olhares raspados.
Prenderam-se num momento único. Click! Como o disparo de uma máquina. Os dele, escuros, ousados, perfuraram os dela, vagabundos e tristes.
Pousaram um no outro magneticamente, fotografaram-se. Click! Envergonhados, baixaram-os fingindo não perceber.
Não resistiram e, embaraçados, um e outro, voltaram a olhar-se apressados, raspando o olhar outra vez.
Click! A melodia de um olhar que se prende e queima, um momento que incomoda tanto como faz apetecer. E viram-se os dois a desejar mais uma vez o olhar penetrante, que raspava o desejo de conhecer.
Que loucura, pensaram ambos. E olharam para o lado, pegaram no telefone, rodaram-no entre os dedos inquietos, disfarçando o que lutavam para esconder.
Click. Desistiram ofegantes, incendiados por querer.
Olharam-se, já com uma naturalidade audaz, de quem não se importa e nada teme. Como um manequim que desfila confiante por prazer. Sem pestanejar, os olhos desfilaram sozinhos, peregrinos e destemidos, percorrendo já o rosto em seu redor. Ele tinha uns lábios finos, cabelo ondulado e uma barba por fazer. Ela pressionava os lábios rosados, e mexia no cabelo liso comprido, sorrindo sem saber.
Aqueceram-se mutuamente, num diálogo demorado que só o silêncio compreende. Preencheram, com o olhar, o vazio das suas almas apáticas, que se rasparam petrificadas naquele entardecer. Desaguaram, um no outro, num olhar inocente.
Amaram-se, no olhar cruzado em fogo, preso numa imagem de raspão. Fotografada com cor. Brilhante e quente, eterna, guardada pelo calor da ilusão.