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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Na semana passada estive de férias e consegui um feito que já não fazia há....4 ou 5 anitos, vá.
Não, não foi ficar super esturricada de tal forma que a pele já quer estalar...isso consigo, pelo menos, 10 vezes em cada Verão :)
Consegui ler um livro de 300 páginas em 7 dias. Na verdade devia parecer uma daquelas seitas que anda de porta em porta com o livro debaixo do braço...e o título até alude a uma Ilha... olhavam para mim de esguelha e pensavam...freak freak freak...who cares!
Não é propriamente o género de livro que eu voluntariamente atacaria numa livraria para levar para férias, posso mesmo dizer que não conheço vivalma que conseguisse ler este livro até ao fim...bom, talvez uma ou outra pessoa, contando com o prescritor do livro.... Mais, até confesso que lê-lo chegou a ser incomodativo, irritante,...e em algumas alturas até me apeteceu desistir e, ao meu estilo impulsivo, atirar com o livro contra a parede...Mas tinha enfiado na cabeça que o lia...por isso ía sacudindo a cabeça de vez em quando como que para fazer reset...e, voilá, consegui.
O livro debruça-se sobre a utopia do amor e a pergunta central que comanda
a história é "como fazemos para amar?".
Isto porque o personagem principal ama a sua mulher loucamente, mas sente que a ama mal, ou que devia e podia amar melhor. A solução passa por romper com a sociedade preconceituosa. rotineira e asfixiante onde vivem e rumar a uma ilha algures no Pacífico Sul, maioritáriamente habitada por canhotos, onde o lema é viver para amar.
Parece um livro romântico, até... mas na verdade é mais que isso, é uma ficcção filosófica
repleta de simbolismos...acho... nem sempre fácéis de enfrentar, pensar e digerir...
* Ele ama-a e por isso transforma-se para a conquistar, arrebata-a, de forma calculista e egoísta, de um casamento com filhos.
* Ele abandona o seu conforto aristocrata e leva-a para uma ilha que não se encontra nos mapas geográficos, que pode nem existir, para aprender a amá-la melhor, como ela merece.
* Ele constroi uma casa com as suas mãos à medida da sua mulher, que satisfaça os seus desejos mais profundos.
* Ele aceita o adultério dela quando, na impossibilidade de falarem, afastam-se num abismo de silêncio e incompreensão, e aprendem o valor da comunicação.
* Eles resignam-se a 40 dias de abstinência sexual e encontram nela uma nova "conversa" erótica capaz de intensificar o desejo e a imaginação.
* Ele é infiel e assim descobre a sua libertação, a sua verdadeira natureza e os seus prazeres mais obscuros, que afinal revelam também satisfazer a sua mulher.
* Enfim, ambos traem para assim se poderem melhor conhecer e amar.
E muito mais haveria a dizer sobre aquela ilha onde os casais cultivam a arte do bom sexo e constroem diariamente o seu romance através de gestos de amor como a troca de cartas apaixonadas, em que o adultério é visto como forma de realizar as paixões naturais dos homens/mulheres e dele é retirado benefícios para a vida do casal, onde os homens adivinham os desejos mais secretos das mulheres, onde ambos podem agir sem necessidade de se explicar ou confessar, onde ninguém tem direito a julgar ninguém....
Esta ilha não existe... I gess.... e tenho consciência da sua plena utopia, seria provavelmente muito complicado viver em semelhante estado de libertinagem, conviver diariamente com sentimentos ambíguos e perturbadores de ciúme e de paixão arrebatadora.
Existindo ou não, na realidade vivemos por vezes verdadeiras utopias, que não compreendemos como lá chegámos e ainda menos como de lá vamos sair.
Conheço pouco do género literário utópico, ouvi falar por alto de Fourrier... mas agora que já passei alguns dias do "luto do livro" consigo olhá-lo como um todo e reter dele as partes, para mim, mais belas e poéticas.
Enfim, as coisas não são mais do que o queremos ver delas.
Ahhh... o livro chama-se "A Ilha da Mão Esquerda" de Alexandre Jardin, edições Quasi.