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Fábrica de Histórias

por Closet, em 24.05.09

HEROI

Já passavam 4 horas desde que ela tinha entrado para a sala de operações. João atravessava a sala de espera com passos largos e apressados, como se conseguisse acelarar o próprio tempo que parecia interminável. "Parecia que estava morta" tinha murmurado o seu sogro quando a transferiram em urgência para os cuidados intensivos."Não, não podia ser" dizia repetidamente para si. "Era uma operação simples, de rotina, não tinha qualquer perigo de vida".  João continuava desesperado à procura de uma informação sobre a sua mulher. "Como correu? perguntava a toda as enfermeiras que passavam no corredor. "Não posso dar informações" ou "O doutor fala consigo" eram as respostas que recebia.

Bebia, cansado e nervoso, o seu terceiro café, quando uma enfermeira o chamou e lhe disse o que não conseguiu compreender. Pediu que lhe repetisse, que lhe explicasse, como podia aquilo acontecer. Leonor tinha morrido na operação, uma hemorregia inexplicável levou a sua vida num sopro. Um sopro que João não queria aceitar, queria-a de volta sem mais explicações. Nos seus olhos as lágrimas escorriam com uma mistura de angústia e raiva, no seu peito dilacerava o pânico de continuar a viver sem ela.

João e Leonor tinham duas filhas, de 12 e 4 anos, que nem sabiam que a mãe ía ser operada. Leonor não quis dizer-lhes para não as preocupar. "Ía visitar uma tia velhinha" tinha dito antes de ir para o hospital e despediu-se com dois beijos, como se voltasse já.

João voltou para casa, já era noite, sentindo-se o homem mais pobre do mundo, perdido, abandonado, atordoado. Não consegiu dormir, nem comer, nem falar. A família abraçou-o, tomou conta das suas filhas "Deixa-me criar a pequenina" disse-lhe a sua irmã nesse dia.

João agradeceu comovido, mas disse que não. Queria ficar com elas, reorganizar a sua vida. Uma vida que aumentava em exigências profissionais, um lar que dividia com a sua sogra, uma rotina que João teve de mudar. E mudou, com a coragem e a garra que Leonor lhe inspirara em vida.

Alugou uma casa, colocou a mais pequena num colégio, acompanhou a mais velha no liceu. Passou a ir com elas ao cabeleireiro, compravam roupa juntos, tomavam o pequeno-almoço num café perto da escola, jantavam num restaurantre ao lado de casa.

João refez mais tarde a sua vida, e mais uma vez elas desconfiaram que o fazia por elas. "Porque era dificil um homem criar duas filhas sozinho. Porque precisavam de uma mulher que as ajudasse na adolescência".

João viu crescer as suas filhas felizes, boas alunas, com muitos amigos. João conhecia-os a todos, o motorista preferido para as saídas e para os mais diversos programas que ineventava, um verdadeiro companheiro e confidente da sua filha pequenina.

Uma pequenina que foi crescendo, mas continuou a consultá-lo em qualquer passo da sua vida, a procurá-lo para comerem uns caracois enquanto discutem as notícias do jornal, ou para passearem por Sintra onde ele lhe conta, mais uma vez, como aquilo era há muitos anos atrás, quando ele ainda namorava com Leonor. Uma pequenina, já crescida e com filhos, que olha para ele e lembra-se dos pequenos grandes gestos, que eram tudo. Como a acordava de manhã com carinho e a vestia com roupas escolhidas por ela e que nem sempre combinavam bem, das histórias de palhaços que inventava todas as noites para que comesse, como ficava acordado com ela ao colo nas noites de choro com outites. Não, não é um pai, pensa ela, sem hesitar. É o seu heroi.

 

História escrita para a Fábrica de Histórias.

publicado às 22:40


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