Há muito muito tempo existia uma menina que não falava nem sorria. Chamava-se Leonor e desde pequena exibia uma beleza rara, cabelos cor de oiro, grandes olhos verdes e uns traços perfeitos. Dizia-se que quando nasceu tinha sido amaldiçoada por uma feiticeira, que era apaixonada pelo seu pai e, numa fúria de ciúmes, lançou-lhe um feitiço. A menina iria ser a mais bela do Reino mas não teria emoções, quase não falava e não sorria.
Os seus pais desesperados procuraram todos os médicos e curandeiros capazes de quebrar aquele feitiço, mas os anos passavam e a menina crescia sem sorrir. Deixou de ir à escola, não tinha amigas e quase não queria sair de casa. Todas as tardes ela sentava-se numa cadeira de baloiço na sua varanda e ficava a olhar o infinito. Com a sua beleza e a fortuna dos seus pais, todos os rapazes do Reino cobiçavam-na, mas nenhum tinha conseguido a sua atenção. Muitos pediam aos pais de Leonor para tentarem a sorte, subiam ao seu quarto e esforçavam-se por despertar nela algum sentimento. Uns levavam livros e contavam-lhe histórias emocionantes, outros diziam piadas, faziam piruetas, caretas...mas Leonor afastava o olhar desinteressada. Nenhuma das histórias a prendia. Nenhum dos gestos a encantava. Nenhum dos rostos a seduzia. Ela continuava isolada no seu mundo imaginário, onde ninguém conseguia entrar.
Um dia chegou aquele Reino um rapaz, dizem que vinha de um reino distante à procura da “menina que não sorria”. Trazia apenas uma guitarra e uma sacola e todos os dias ele sentava-se debaixo de uma árvore que ficava em frente à varanda de Leonor. Ía rabiscando num caderno o seu rosto e corpo e quando ao fim do dia ela ía para dentro, ele colocava-se por debaixo da varanda e tocava uma música com a sua guitarra. Assim foi durante quinze dias seguidos.
Ao décimo sexto dia o rapaz dirigiu-se a casa de Leonor e pediu aos seus pais para o deixarem entrar. Os pais já se tinham apercebido da estranha presença do rapaz à sua porta todos aqueles dias e perguntaram-lhe esperançados se ele era um mago ou um curandeiro. O rapaz abanou a cabeça, mas ao reparar na tristeza deles disse-lhes apressadamente “eu vou cura-la, basta que me deixem entrar no seu quarto”.
Ainda que pouco convencidos, os pais de Leonor decidiram dar uma oportunidade ao rapaz, afinal tinha vindo de tão longe e estava tão convicto nos seus poderes.
Quando o rapaz entrou no quarto, Leonor estava a ler um livro sentada na sua cama. Olhou para ele pela primeira vez. Os seus olhos tocaram-se de raspão e Leonor voltou a entregar-se ao seu livro. O rapaz sorriu, tirou da sua sacola uma caixa de música e poisou-a no tocador do quarto. Tirou o livro das mãos de Leonor com cuidado e puxou-a para fora da cama. A caixa de música começou a tocar a música que ele tocava todos os dias na sua guitarra. Leonor voltou a fixa-lo com os seus olhos enormes. Ele segurou-a pela cintura e sem tirar os olhos dela disse “vou ensinar-te a dançar”. Colocou os pés de Leonor em cima dos pés dele e dançaram de corpos colados e olhos enfeitiçados. A música durou quinze minutos. Nunca Leonor tinha olhado durante tanto tempo para alguém. Quando a música parou, Leonor, com os olhos repletos de lágrimas, pediu sorrindo “Outra vez”.