Tinha os papéis à minha frente. Já lá estavam há uma semana. Disse que “era só assinar nas cruzes”. Tão fácil, pensei. Mas foram 18 anos de vida, da minha vida. Fui esposa, mãe, dona de casa, profissional, andei sempre num rodopio que me afastou de muitas amigas. Mas o seu cargo de Director Financeiro foi sempre muito importante, para nunca nos faltar nada, excepto, claro, a sua companhia. Um pormenor. Nunca percebeu que isso foi a razão da nossa filha, hoje, quase não lhe falar.
Olhei outra vez os papéis de relance. Era o último dia do ano e queria encerrar aquele assunto. Este último ano tinha sido confuso. “Um tempo” foi o que concordámos dar, “tempo”, como se não tivéssemos dado tanto tempo nestes últimos 10 anos que poucos fins de semana tivemos, que quase nem férias juntos passámos. “Tempo” é o que sinto que perdi. Tenho 44 anos, uma filha linda que frequenta uma Universidade em Londres e estou nesta casa enorme sozinha. Olho em volta e tudo diz-me tão pouco. Falta Vida.
Não pude deixar de relembrar o Verão passado, a viagem que fiz arrastada por duas das poucas amigas que consegui manter. A Marta é minha amiga desde os 6 anos, éramos vizinhas, e nunca nos afastámos. Talvez porque fui a única que a defendeu quando, aos 22 anos, assumiu que não gostava de homens e que tinha uma namorada. Saiu de casa, para alívio dos pais, e ficou em minha casa uma temporada. Hoje é uma Directora Criativa de sucesso. A Sara é minha prima, divorciada de um casamento relâmpago, que lhe deu aquilo que mais desejava - um filho. Muda de namorado ao sabor das estações mas tem regras de ouro, como nunca divulgar a sua morada ou local de trabalho e um telemóvel que serve unicamente para os seus flirts. Quando acabam, deita o cartão fora e arranja um número novo. Tão fácil quanto isto, mas na verdade nunca a vi infeliz.
No Verão passado fomos passar 7 dias a Cuba e a mala que elas levavam cheia de roupas eu levava cheia de livros que queria ler para não pensar. Por destino, no último dia escorreguei na piscina e torci o pé. Como estava inchado convenceram-me a ir a um hospital, só para ver se estava tudo bem.
Foi lá que o conheci, era radiologista. Disse-me que o pé estava apenas torcido e massajou-me suavemente com a delicadeza que se espera só de um amante. No momento em que os seus olhos negros tocaram os meus senti-me assaltada por uma incontrolável vontade de o conhecer melhor e num impulso, convidei-o para tomar um copo no meu hotel. Pensava que já nem sabia fazer um convite destes, mas saiu-me sem pensar e, para meu espanto, ele aceitou de imediato.
Nessa noite o nervosismo foi rapidamente substituido por uma sensação de já o conhecer há anos. Numa mistura de espanhol e inglês conversámos a noite toda, caminhámos ao longo da praia que reflectia a lua mais redonda e brilhante que alguma vez vi. Rimos e dançámos os ritmos cubanos com os corpos esfregados um no outro e as mãos já a deslizar descontroladas. Acabámos por subir para o meu quarto e entreguei-me ao desejo carnal que se apoderou bruscamente de mim.Não travei. Para quê? O mundo podia explodir no dia seguinte...Podia não ter outra oportunidade de sentir uma paixão assim, cega, louca.
Nunca pensei que seria tão bom fazer amor com um estranho, nunca pensei que este estranho fosse perpetuar-se na minha cabeça, perseguindo-me a dormir e acordada. Já passaram 3 meses e ainda acordo de noite e procuro os seus braços entrelaçados no meu corpo, ainda sinto o sabor salgado dos seus lábios a navegar nos meus, o roçar do seu corpo quente e as mãos macias a percorrerem-me. Costumo abanar a cabeça para afastar estas recordações, rasgam-me por dentro.Fui eu que abandonei o quarto de manhã sem o acordar e apanhei o avião com o coração a bater descompassadamente. Sentia que tinha traido o meu marido. Sentia-me envergonhada por ter ído para a cama sem o conhecer. Um turbilhão de sentimentos ridículos. Mas o desejo não morre só porque a cabeça exige. Continua a arder violentamente cá dentro...
Levantei-me e repensei os meus 12 desejos para o ano novo, aqueles que iria pedir à meia noite em casa da Marta:
1) avançar com o divórcio e encerrar de vez este capítulo da minha vida;
2) inscrever-me num ginásio e cuidar de mim;
3) fazer um total makeover ao meu visual e às minhas roupas - rejuvenescer;
4) visitar a minha filha a Londres para conhecer os seus novos amigos;
5) escrever um romance que é um projecto há muito adiado;
6) adoptar um gato que nunca possível com as alergias do meu marido;
7) esforçar-me mais no trabalho porque o meu chefe vai reformar-se;
8) arriscar mais na vida em tudo o que faço, ser auto-confiante;
9) aprender espanhol porque me apetece recordar esta língua;
10) voltar a Cuba;
.... tzzzzz, uma mensagem no meu telefone...
“No puedo estar lejos de ti. Llegué a Portugal. Donde estás? Raul”
Era ELE. Definitivamente os outros desejos eram iguais: ser feliz, SER FELIZ.