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Fábrica de Histórias

por Closet, em 17.11.08

O tema desta semana não me seduziu tanto: Traição, de qualquer tipo, sem cair na banal infidelidade, contada na 1ª pessoa, na versão do vilão.

A palavra não me agrada, principalmente porque sinto logo, em 1ª instância, as traições constantes que travo comigo mesma, ao fazer coisas que não me apetece, sentir o que não posso divulgar, oprimir o que me apetece fazer, enterrar sonhos que não são viáveis, whatever... é uma traição diária comigo mesma, muito mais dolorosa que qualquer traição que uma outra pessoa me possa causar.

Mas definitivamente não é sobre mim que quero falar. O desafio é inventar histórias, e imaginação fértil é ,sem dúvida, uma doença que sofro desde que nasci. Cá vai uma história sobre traição em 500 palavras!

 

Amarga Traição

Hoje tenho 42 anos, sou CEO de um importante multinacional e vivo num 12º andar de um bairro de luxo, sozinha. Tudo o que consegui hoje deve-se a alguém que traí, com a crueldade e frieza que só a cegueira da ambição pode alcançar. Vou contar-vos a minha história.
Tinha 28 anos e consegui entrar para uma prestigiada consultora multinacional. Era jovem e sentia que o lugar de Chefe de Projecto era pouco para mim, trabalhava 10 horas por dia, e queria chegar mais longe. Mas naquela empresa todos eram viciados no trabalho como eu e depressa reparei que havia uma pessoa influente que me podia dar um empurrão. Ele tinha mais 8 anos, moreno de estatura média, cabelo desalinhado, óculos enterrados na cara e sem estilo marcado na forma de vestir. Diziam que se tinha divorciado antes mesmo de se ter casado, tal era a sua dedicação ao trabalho. Mas era Executive Director, chefiava um departamento com mais de 50 pessoas e era das pessoas com maior poder de decisão na empresa.
Aos poucos fui-me aproximando dele, fui fazendo conversa no café a meio da manhã, sentei-me um dia ao seu lado no restaurante onde costumava almoçar sozinho, aos poucos comecei a enviar-lhe e-mails de brincadeira, sms, e começámos a combinar saídas à noite juntos. Não dei conta e já estava a aceitar um café em casa dele, conversámos sobre todas as viagens que fez, bebemos um martíni recostados no sofá enquanto ouvíamos música. De repente aquele homem pareceu-me extremamente atraente e meigo. O toque das suas mãos, os seus lábios, os seus braços à minha volta,... a estranha sensação de não o estranhar apoderou-se de mim, e sem pensar, acabei a noite nos lençóis da sua cama mal amanhada e por fazer. Passámos 3 meses sem nos largarmos, fins-de-semana de sonho em pequenos paraísos perdidos, apaixonados.
Depressa fiquei a par de todas decisões estratégicas da empresa, sobre os planos e contratos por fechar. Ele confiava em mim como um cego e eu era uma boa ouvinte.
Até que recebi uma proposta de trabalho de uma empresa concorrente, para o ambicionado cargo de Executive Director, e fui confrontada com a possibilidade de ganhar o lugar se divulgasse tudo o que sabia sobre a empresa onde estava. Tinha 28 anos,  pensava que podia tudo. Aceitei.
Mudei de telefone, mudei de casa e fugi dele ainda apaixonada, a pensar que viria atrás de mim. Enganei-me. Soube depois, por uma colega, que ele tinha apresentado demissão. Mudou de casa. Mudou de telefone. Perdi-lhe o rasto.

Três anos mais tarde encontrei-o numa praia. Tinha um bébé ao colo e brincava com ele sentado numa poça de água. Disse-me que trabalhava numa seguradora, que tinha casado e era feliz. O seu olhar não tinha rancor, mas pena. Senti-me minúscula. Percebi que a indiferença é o sentimento mais doloroso. Traí a pessoa que provavelmente mais me amou. Porquê? Porque a ambição cega o juízo. Como? Com a arma mais poderosa: a paixão.

 

Texto de ficção escrito por mim para a Fábrica das Histórias.

http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/2008/11/17/

 

 

publicado às 23:21


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