Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
"Automat" de Edward Hopper
Café curto
Talvez faltasse música naquele bar. Quer dizer, havia música, mas tocava baixinho numa melodia triste e apagada.
Faltavam risos de conversas, o trocar de beijos e abraços. Até os amuos e birras de um casal ao lado. Nada. O bar estava sozinho.
Podia ouvir o bater da colher na chávena enquanto mexia. Um ruído metálico, agressivo, como se alguém discutisse consigo. O tilintar da colher dizia-lhe para parar, mas como que enfeitiçada continuava a mexer o café, repetidamente, por castigo. Como se quisesse ouvir um pouco mais aquela voz que a perfurava, no silêncio abrupto que ocupava aquele espaço vazio.
Envolvia o café, já sem a espuma à superfície que a iludia. Reconhecia, naquele líquido curto escuro, o caminho sinuoso que percorria. O açúcar, que rapidamente desaparecera, o doce que fora engolido pelo amargo, como a sua vida.
Parou subitamente de remexer todos aqueles pensamentos que a incomodavam, as memórias que a confundiam. A respiração no seu pescoço, os braços pelas suas costas, a despedida. Queria afoga-las a todas no café que fumegava à sua frente. Mas não conseguia.
Bebeu-o de um só trago, esperando que o líquido ardente pudesse queimar tudo o que sentia.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias