Passar do Tempo
Não é o medo da morte, nem o receio da dor.
Não é o horror da pele fina e engelhada. Tão pouco as rugas de expressão a marcar o rosto.
Não são os cabelos a nascerem brancos e fracos. Ou as pernas a cansarem-se, os pés dormentes, por subir um lance de escadas só. Nem é o facto de me darem lugar nos transportes, ou sequer o eco da palavrinha quando me chamarem avó.
Nada disso me assusta, tira o sono ou faz tremer.
É muito mais.
É saber, a cada instante que passa, que ele já passou. Morreu. Não volta atrás. Que certos momentos não vão repetir-se, que na verdade todos eles são já memórias de sensações. Imagens cada vez menos nítidas com que constantemente sonhamos, gravadas a ferro no nosso inconsciente. Sentimos-lhe o cheiro, e o ardor no peito como antes, mas a certa altura há uma névoa que nos atordoa. Já não sabemos se os imaginamos, se os vivemos efectivamente.
Mas ainda não é isto, ou não é só isto. É mais profunda a tortura que sinto.
É a angústia permanente de que o tempo passa por mim a correr, que não o consigo agarrar, nunca o alcanço como desejaria.
Pior, que nem sei o que agarrar, se o que verdadeiramente procuro existe ou é mera fantasia.
Como se me arrastasse com o vento sem direcção, envolta numa imensa neblina. Os ponteiros vão rodando rapidamente, como uma bomba relógio que se aproxima. Há a explosão, sempre, a esperada, consequente.
A eterna insatisfação que se apodera de mim e agita o mundo encrespado onde habito e isolo sem fugir. A ânsia permanente de chegar a qualquer parte, para logo depois querer partir.
A indecisão premente. O impulso que não sucumbe. Do pânico, claustrofóbico, de não encontrar o que me complete, me deslumbre.
A paz que me acalme a alma e sacie a chama do corpo ardente.
Existir apenas, uma vida inteira, sem partilhar o silêncio translúcido que me envolva, num colo abraçado de conforto.
O medo, sufocante, de saltar o fogo crepitante para deixar-me planar até à morte num equilíbrio morno. E nessa apatia que me assusta, do tempo que tenho pela frente, só peço que o sorriso não me doa a face, triste, por ser apenas adorno.
Texto escrito para a Fábrica de Histórias