Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Carregou no delete mais uma vez.
As palavras fugiam-lhe entre a incompreensão, a raiva e a mágoa.
Tinha tanto, violento, para lhe dizer, aprisionado dentro de um corpo, zombie, de desilusão.
Tantas perguntas que, de repente, já não tinham qualquer interesse ou justificação. Desfaziam-se, entre lágrimas perdidas, numa folha de papel branco, tão vazia como o que ela sentia naquele momento.
Nada. A estranha sensação que nunca mais o iria ver. Porque nada do que ele pudesse dizer-lhe a convencia a perdoa-lo, a acreditar nele outra vez.
Voltou a experimentar o sabor amargo do abandono. "será que sabes o que é ser abandonado por a pessoa que sempre se quis?" e as palavras gretavam-lhe a pele, por isso ela apagava-as rapidamente. Porque tudo aquilo a feria, esfaqueava brutalmente.
Como se o destino se risse dela, sádico, ao vê-la sofrer. O destino que a colocara à prova no passado e a viu tombar com a ingenuidade própria de uma paixão pura, também a única capaz de se ter. Aquela que quebra o coração para sempre, depois dela passa-se a tratar o amor por tu, sem medo ou respeito. Sem devoção.
Esse mesmo destino, maquiavélico, que o devolveu tanto tempo depois aos seus braços só para que pudesse relembrar tudo o que há de violento no amor. O chão tremer enquanto o cérebro bloqueia, a respiração ofegante de quem corre sem sair do lugar, a cabeça a girar numa tontura constante. Para que pudesse sentir de novo o cheiro, o tacto e o sabor do desejo a queimar desmesurado e impotente. O corpo que reconhecia como seu, a cada raspar do olhar, dos lábios e da língua. A pele, as mãos, a voz e os beijos. Tudo. Tudo o que ela sempre quis resumia-se a alguém que a magoou de silêncio e mentiras, alguém que a abandonou "pela ultima vez" repetia.
Queria dizer-lhe exactamente isto, que nunca o esqueceu, nem acredita que algum dia o irá esquecer. Mas ainda assim, estilhaçada, riscou do destino a vontade de o voltar a ver.
Como as palavras eram ocas e dolorosas, apagou tudo, mais uma vez.