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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
A única excepção
(...)
Por isso digo-te de peito aberto: vai.
Corre o mundo.
Perde-te onde fores feliz.
P.S.: ...
todas as nossas cartas tinham um p.s. no fim, lembras-te?
Acabavam sempre com "p.s.: amo-te muito".
Era assim e, admito, vai ser dificil mudar. Vai soar, não sei... estranho.
Talvez consiga escrever o mesmo, mas de uma forma diferente. Ando aqui às voltas, a procurar uma maneira de dizer, por outras palavras, aquilo que nos habituámos a resumir em apenas duas "amo-te muito".
Mas assim é o destino. Por vezes obriga-nos a contornar e descobrir atalhos, quando os caminhos que temos pela frente são impossíveis de atravessar. Nem sempre é a direito. Há demasiadas pedras para enfrentar. Eu consigo e tu também.
Deixa-me tentar. Talvez assim:
"p.s.: nunca me cansarei de correr para os teus braços, estejas do outro lado da linha do comboio, ou na outra margem do oceano".
E aqui estou a ser eu mesma, sempre a correr atrás de ti, a pendurar-me no teu pescoço e a sufocar-te com a loucura que é perseguir-te constantemente. Prender-te a mim nos limites dos impossíveis.
Não, este p.s. não serve. Vou risca-lo. Quero risca-lo também para mim, convencer-me que é mentira. "ps: nunca me cansarei de correr para os teus braços, quer estejas do lado de lá da linha do comboio, ou na outra margem do oceano".
Pronto. Já está. Riscar é algo que se pode fazer numa carta. Basta uma caneta, um traço. Como seria fácil se pudessemos fazer o mesmo na vida. Riscar as partes que nos magoaram, que queremos esquecer, que nos incomodam a memória e apertam a alma. Simplesmente colocar um traço por cima, fechar os ouvidos ao vento e gritar «isso não aconteceu»...
Como seria?
Podia riscar a tua última carta. Aquela que rasgou a minha vida num turbilhão de contradições, gelou o meu corpo e o que restou dele no seu interior. Como seria se aquela carta fosse riscada das nossas vidas? Teríamos vivido juntos estes anos que passámos distantes? A paixão estaria ainda acesa? Não sei. Não sei se estaríamos hoje aqui nesta tempestade de emoções e desejos naufragados.Mais uma vez forçados a tomar decisões que trespassam como lanças o corpo exausto.
Não quero saber. Vou enterrar esse pedaço de memória, e deixar antes assim:
"p.s.: fazes-me rir como ninguém"
... porque rio-me tanto contigo, sempre. E sabes como rir é tão importante para mim como respirar. Toda essa tua loucura imprevisível, a tua maneira de falar, de andar, os gestos e a descontração. A forma de me olhar, com os olhos como se fossem mãos. Um olhar que sabe tocar.
Tudo isso eu reuno num riso só teu e meu. Que partilhamos os dois. A casa na montanha, a cabana junto ao mar. Tu fazes-me sonhar.
Por mais anos que passem, qualquer que seja a distância e os rumos que os nossos caminhos levarem. Com todas as descrenças que trago da vida, as inseguranças, a insatisfação constante que carrego e me cicatriza, num masoquismo visceral. Eu sei, que a única certeza que tenho é este p.s. que te deixo tatuado, ainda que não estejas a meu lado.
p.s.: tu és a única excepção
Texto escrito par a Fábrica de Histórias
(podem ouvir a musica inspiradora aqui no mixpod)
De facto seria bem mais fácil se pudéssemos riscar da nossa vida, partes que nos magoaram, no entanto não seríamos as mesmas pessoas. É todo um conjunto de vivências que fazem a pessoa que somos. Se fosse dessa forma, depois quem iria escrever textos como este, de tamanha envolvência? ;)