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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Cristina. É o nome da estranha que hoje conheci, por mérito próprio, bem sei, pois desta vez fui eu que fui ao seu encontro sem saber de facto para o que ía.
Na verdade, pensava que ía apenas cortar o cabelo, já ando a adiar a algum tempo, e apesar de me ter deitado tarde ontem tinha prometido que hoje é que era, logo às 9h da manhã... ok, foi só às 10h mas foi o melhor que consegui e eu nunca fui muito boa a cumprir promessas, muito menos aquelas que metam horários pelo meio, é que eu e os relógios nunca tivemos uma convivência muito saudável, vá se lá saber porquê...
A Cristina não tem mais de 27 anos,... e em 2 horas fique praticamente a saber a vida toda dela, desde a sua terra em Vieira do Minho (que afirmei logo que conhecia perfeitamente a zona logo que a vi de caneta em punho para me fazer um croqui das localidades...), ao marido da PSP, o Ruben, que veio destacado para Lisboa (e ela que não gosta nada daqui, nem tem tempo para ir um bocadinho ao café, teve de vir, "sim porque ele andava a sair à noite com os amigos, depois assim é que começam as coisas, e eu não gosto disso, vim logo, pois pois que a mim não me enganam, jogo pelo seguro, como se diz "longe da vista longe do coração,"...), à prima que ficou na terra e o marido, que é camionista deixou-a, e ela até tem um filho pequeno, mas ele nem quis saber, à irmã Elisabete, que é mais nova mas sempre foi muito frágil, tem falta de plaquetas e no outro dia teve uma apendicite aguda, chamaram o INEM mas parece que eles não vão a casa só porque se tem uma dor de barriga, e lá foram para o Hospital de Guimarães, e o intestino estava cheio de ar e não conseguiram ver logo qual era o problema e depois de 12 horas foi operada de urgência e fizeram-lhe um cicatriz assim e assim, está a ver?, e mais a colega de trabalho que está de baixa com uma trombofibrite na perna ,...
Confesso que a minha cabeça ficou atolada de informação e roguei pragas por ter decidido logo hoje fazer nuances que demora o dobro do tempo ....aquela mulher era demais, batia-me aos pontos,...e eu a pensar que falava muito, ... conheçam a Cristina!!
Ainda tentei dissuadi-la de alguns chavões que ela dissertava, nas poucas oportunidades em que consegui proferir uma palavra claro, aquela "longe da vista longe do coração" foi uma delas, lembrei-lhe que não era assim tão linear, existia a cabeça que comanda tudo, mas ela não me ligou nenhuma e continuou na dela que jogava pelo seguro (já estou a imaginá-la a acampar de armas e bagagens para qualquer lugar atrás do sol posto que a sua cara-metade vá). Ainda me disse umas verdades indiscutíveis como "O saber não ocupa lugar" e por isso ela aprende tudo o que puder pois nunca sabe o dia de amanhã e tem de se desenrascar sozinha!! Criatura inesquecível. Até me escreveu o nome no cartãozinho à despedida e disse para voltar e marcar para ela, assim como assim, sempre poupa o dinheiro de um psicólogo e eu ainda lhe pago para a ouvir... pareceu-me razoável!! Estou sinceramente a pensar voltar e acompanhar a agitada vida da Cristina, do Ruben, da prima da terra separada e da saúde da irmã Elisabete...ahhh e saber se a colega já está melhor da perna!
Deixo aqui um poema que sei de cor desde os 12 anos, que estava num album da Maria Bethania que a minha irmã tinha e eu sempre adorei. Cresci com ele e até o declamei numa audição que fiz um dia para um curso de teatro. Na prática tive de o declamar como se estivesse com raiva do mundo, o que nem se adapta muito bem ao texto, mas era teatro, esmerei-me e até passei à fase seguinte. Fala que a nossa verdadeira luta é a procura de nós próprios.
«Eros e Psique
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia. »
Fernando Pessoa