Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Retirei-ME e escrevi!

por Closet, em 25.05.11

A Piscina onde eu não entrei...

 

As bicicletas onde não andei

 

O lugar onde fiquei  

 

 

 e as musas inspiradoras com sonantes Méeeeeee!!

 

 

As 18 páginas que escrevi aqui! 

 

Deixo um cadechido do conto... a história dos protagonistas há 18 anos atrás!  

 

.........§§§§§§.................

 

Fazia agora 18 anos, também uma noite quente de Junho. Estacionaram junto à praia e caminharam pela areia, Margarida carregava as sandálias que baloiçavam na mão e sentaram-se à beira mar num silêncio tranquilizador. Não disseram nada invadidos pela estranha sensação de estar sozinhos naquele momento, tendo apenas como testemunhas o marulhar das ondas e a lua que rejubilava intensa no mar.

Afonso desafiou-a subitamente:

- Vou-te fazer uma proposta indecente: despe-te e vem nadar ao luar!

Despiu a camisa e as calças de ganga e foi assim mesmo, de boxers, a correr em direcção ao mar. Margarida ouvia-o gritar:

- Guida, vem! Está óptima!

Margarida não era tímida, apenas nunca quis ser mais uma conquista do Afonso o que, por diversas vezes, tornou-se bastante difícil não ultrapassar a barreira invisível entre a amizade e o desejo. Não negava nos seus mais íntimos pensamentos que o considerava atraente e que por vezes passou-lhe pela cabeça quebrar esta mania e acabar com a frustração que era estar a um palmo dos seus lábios sem o beijar. Contudo, resistira sempre, talvez por medo de estragar aquilo que, mesmo em forma de tempestade, chamavam amizade.

Mas naquela noite não lhe apeteceu pensar em nada. Não sabe se terá sido da sangria, ou da solidão que o mestrado lhe provocara, mas deixou-se ir à deriva.

Largou o vestido na areia e correu para a água em roupa interior. O mergulho libertou-a e os braços quentes de Afonso puxaram-na de novo para a vida. Para outra vida. Onde a pele duplamente arrepiada de frio e de desejo, era envolvida pelo corpo moldado em perfeição ao seu, num abraço que se fez beijo. Num beijo que a prendeu.

Ficaram no apartamento dos pais de Afonso em frente à praia. Margarida não lhe fez perguntas sobre quem ele já tinha trazido para ali, ele também poupou-a de revelações. Naquela noite as palavras estranhamente escassearam, dando lugar a gestos despidos de pudor. Exploraram-se lentamente e perceberam que os seus corpos comunicavam melhor sem palavras. Qualquer conversa seria inútil e demolidora. Foi por isso uma noite muda, largada aos sentidos mais puros, aos desejos mais básicos. Roçaram cada pedaço de pele, cheiraram-se e saborearam-se fascinados. Adormeceram já de manhã e Margarida não foi embora. Era a primeira vez que dormia com alguém sem ter vontade de acordar. Era a primeira vez que ficava e não fugia e, mesmo assustada, deixou-se ficar mais um dia e mais uma noite.

No Domingo acordou cedo e ficou sentada no parapeito da janela a ver o sol nascer. Foi uma manhã longa de despedida. Despediu-se do mar que por uma noite lhe pertencera, do corpo nu de Afonso enrolado no lençol a dormir. Despediu-se do silêncio das perguntas incómodas e das respostas vagas, das mentiras. Do vício das explicações absurdas.

- Vou para Espanha durante duas semanas, mas logo que voltar telefono-te – disse ao deixa-la num quarteirão perto de sua casa.

Margarida limitou-se a acenar.

Três dias depois partiu para a Austrália.

 

publicado às 22:32

Retiro-ME

por Closet, em 20.05.11

Depois de um convite inesperado para ver a Ivete no Lounge VIP (ena ena! Adoro-te amiga! adorei a pulseirinha, senti-me num Resort!!)...

e já agora... depois de entrar na sala de ginástica para fazer a minha 1ª aula com o personal trainer (sim, aquele que me queria pesar, imaginem... no way, dêem-me aranhas, ratos, osgas ou abelhas... balanças? ... jamais!!... e lá teve de se desenvencilhar com um rol de perguntas chatas e nada de peso e idade... 30 e tal serve!)... bom, entrei no  vestiário e saí passados 5 minutos de telélé no ouvido a acenar-lhe "sorry, fica para a próxima, hoje a aula é com a Ivete" ... e lá fui eu esbaforida, perder calorias VIPs... incluiu cerveja à borla, líquidos, right??!

 

Depois de um dia de "férias" para assegurar as compras, roupas e ... everything I can do but no one cares ... cá em casa... 

 

Estou de partida para 3 dias de Retiro de Escrita aqui .... sim, parece-me muito bem! Tenho máquina à prova de água... o PC ... Not :(

 

 Quinta Alcaidaria-Mor

 

_______ 

 

«Cada dia que passava aliviava um pouco mais a sua angústia. A verdade, abafada como um pano pela garganta, desaparecia. Por ser mais fácil, mais conveniente, vivia uma mentira como verdade e habituava-se a ela, como a própria pele, a uma velocidade assustadora. Acredita com fé, porque é a mentira que a acalma, tranquiliza e derruba os fantasmas que dançam em seu redor.»

do meu "dizem que vai ser um conto"!!

 

 

 

publicado às 01:17

Inspiration

por Closet, em 17.05.11

Um dia escrevo sobre ti, outra vez. Um diz escrevo. Escrevo-te. Direi tudo o que tenho entalado, sufocado, por dizer. As palavras enterradas dentro de nós habitam-nos como mortos-vivos, assombram-nos como fantasmas abandonados. Perseguem-nos, sombras sanguinárias no silêncio da mágoa e da culpa. Um dia escrevo. Se as palavras, moribundas, vierem à tona, emergirem de rompante outra vez. 

 

 

Estou a tentar escrever um conto, estou a tentar não me contradizer e baralhar enquanto conto o conto... bom, estou a tentar (quem me conhece pessoalmente sabe que é quase quase impossível..well, I'll try)... e estou a trabalhar arduamente! Rescrevo, rescrevo, rescrevo e estou sempre insatisfeita... (não, não estou deprimida, sei que é mesmo assim... o prazer do processo de escrita é maior do que o resultado em si), e entro nas personagens de tal forma que por vezes tenho de abanar a cabeça para elas sairem novamente dentro de mim... mas confesso, sabe-me bem experienciar outros corpos e viver outras vidas, ter outra voz, outro rosto. Mudar, ainda que em ficção, faz-nos resnacer um pouco.

 

Fica aqui um pouco do meu conto que avançarei (espero e assim o dizem) no Retiro de Escrita que vou fazer no final desta semana. 3 diazinhos SÓ a escrever, é dose!

 

Para quem gosta de histórias, retalhado do meu..."dizem que vai ser um conto"! O tema? Acho que é sobre o "segredo".

______

 

Ficaram os dois sozinhos, invadidos por um silêncio desconfortável. Sem trocar uma palavra foram caminhando devagar pelo passeio largo de cimento. Num compasso lento, incomodamente ritmado. Como se cada passo os aproximasse mais e, ao mesmo tempo, engolisse cada dia que viveram afastados.

Os prédios altos, todos iguais, cercavam-nos como o tempo, aquele gigante imenso e assustador que os diminuía. Os olhos vagueavam no chão entre a berma do passeio e as escadas dos prédios desertas. De mãos nos bolsos, também elas vazias do que dizer. Escondiam-se no confortável tecido das calças ou do casaco de cabedal. Também as palavras esconderam-se cobardemente, primeiro no trabalho. 

Margarida falou do projecto na Grande Barreira do Coral e Afonso explicou os avanços da farmacêutica no combate da diabetes. Mas nenhum dos dois estava interessado nesta conversa e, rapidamente, o assunto resvalou para a família.

Sempre mais reservada, Margarida deixou Afonso falar. Falou da mulher, Cristina. Na constante dificuldade em conjugar horários com ela e em como andavam sempre desencontrados. Questionava-se se era assim mesmo um casamento com filhos, diálogos interrompidos e esquecidos entre agendas de compromissos e obrigações de aulas de ballet, banhos e histórias para adormecer. Um cansaço mitigado pela ausência de tempo e de espaço para tudo. Perguntava a si próprio se a filha seria feliz ou se sofria num isolamento perpétuo do que deveria ser a partilha a três.

- Tu nunca tiveste esse problema – atalhou repentinamente em jeito de desabafo enraivecido - trabalhar com o marido deve ter sido mais fácil. Vê-se que o Richard foi uma criança feliz.

Margarida escutou-o com a certeza que se iria arrepender do que iria dizer.

- Estamos separados há 3 anos.

Afonso parou-a com o braço bruscamente. Um candeeiro de rua iluminava-os com uma luz fraca e um cão ladrava à sua volta perante a indiferença dos dois. O rosto ficara quase inexpressivo, soltando apenas «pensei que eras muito feliz».

publicado às 23:22

Ilustres desconhecidos

por Closet, em 11.05.11

E como me "acusam" de escrever sobre personagens que falam do seu passado, aqui estão dois que acabam de se conhecer :)

 

Retalhos - O Vasco 

 

Nunca gostei de táxis, mas devo admitir que aquela foi a ideia mais brilhante que tive nos últimos dias. Não conhecia aquela zona do Bairro Alto e estou certa que jamais conseguiria encontrar aquela ruela escondida, muito menos estacionar por lá. Aquele Bar passava completamente despercebido, entre as casas antigas de uma rua estreita sem qualquer movimento. Era pequeno, uma única sala hexagonal, com cerca de sete mesas. Tinha um balcão pequeno ao fundo onde um empregado preparava um shot para um cliente enquanto conversavam. Junto às paredes do lado direito havia dois sofás de veludo escuro, com mesas baixas rectangulares e pequenas velas dentro de cinzeiros de vidro redondos. Ao centro as mesas eram altas de metal, com cadeiras de ferro. Havia apenas duas vazias, as restantes eram ocupadas por grupos de 4 e 6 pessoas com aspecto de estudantes, que conversavam e fumavam. A iluminação era fraca, feita por candeeiros pendurados no tecto escuro. Ao fundo, um homem com cerca de cinquenta anos tocava ao piano algo que me pareceu jazz. Nunca fui entendida em música, mas os acordes fizeram-me lembrar Nat King Cole, ou algo do género.

Ainda era cedo, faltavam 15 minutos para as 22h. Pedi um Gin tónico no bar e sentei-me num sofás, de frente para a porta. Aumentava dentro de mim uma sensação absurda de ansiedade. Devia ser esta a sensação de um blind date, porque na verdade combinámos o “encontro” por telefone de uma forma quase surreal.

- Olá, estou a falar com a Sofia?

- Sim… - respondi

- Eu sou o vizinho da Carla, quer dizer, o ex-vizinho, … eu fiquei com o seu contacto para lhe entregar uma encomenda que ela estava à espera... – continuou a voz rouca.

- Sim, sim – lembrei-me de repente - O do 3º Dto, certo?

- Vasco.

- Certo – confirmei - o do 3º Dto.

- Como queira, mas prefiro que me tratem por Vasco – respondeu já com voz de pouca paciência.

- Desculpe, não era isso que queria dizer… - tentei desculpar-me - A Carla avisou-me sim, que estava à espera de uma encomenda, deduzo que já chegou.

- Sim, tenho aqui uma caixa em nome dela, penso que seja isto. Como posso fazer para entregar-lhe?

- Humm… eu trabalho em Paço de Arcos, fica longe para si?

- Sim, completamente…eu estou o dia todo em Lisboa.

- Então… - fiquei a pensar o que fazer com aquela rapidez de raciocínio que nos momentos necessários me foge e ainda hesitei uns “humm, aaa,…” até que arranquei – Bom, não faz mal. Eu vou ter consigo a Lisboa, mas tem de ser ao fim do dia, pode ser?

- Depende. Eu trabalho até às 21h30, só se combinarmos a essa hora num bar aqui perto do meu trabalho.

- Num bar? – apanhou-me de surpresa

- Oiça, é um local público, no Bairro Alto, o Nuts na Rua da Vitória. Conhece?

- Pode ser…- senti-me uma adolescente ridiculamente nervosa -  Não conheço mas não se preocupe, eu chego lá. Pode ser esta 5ªfeira?

- Combinado então às 22h - Até 5ª! – Rematou.

E desligou. Nem tive tempo de perguntar como ele era nem como o iria reconhecer… Telefonei à Carla, que tinha-se mudado para Londres há duas semanas, e pedi-lhe uma descrição do seu simpático e prestável vizinho…

- Olha não é loiro nem moreno, nem muito alto, talvez um bocadinho, não sei bem anda sempre meio curvado, tem um ar assim meio estranho, sabes? Mas é educado – apressou-se a dizer -  só que parece… Sei lá? Tem sempre a camisa meio aberta e por fora descaída, calças sem bainha a roçar o chão…Olha, tem ar de artista, sim, acho que é isso, dá aulas de qualquer coisa relacionada com arte.

Admito que, depois daquele telefonema esclarecedor, a minha já pouca vontade de encontrar-me com aquele sujeito diminuiu drasticamente. Mas lá fui, naquela noite arranquei o corpo quente do meu sofá, onde devorava séries americanas junto à lareira, para uma rua gelada do mês de Novembro.

E foi uma batalha difícil. Estava numa fase introspectiva, não queria conhecer ninguém, nem queria ninguém na minha vida. Tinha-me obrigado a uma espécie de solidão forçada para pensar. De alguma forma senti que precisava de encontrar-me comigo. Conversar-mos a sós. Compreender-me, para então poder compreender e aceitar novamente alguém na minha vida. Tinha decidido que nesse Inverno iria hibernar, só sairia para aniversários e o mínimo possível de eventos sociais.

Como por destino, lá estava eu, naquela 5ª feira à noite, sozinha num bar desconhecido a beber um Gin Tónico e sem fazer a mínima ideia de como seria a criatura que iria aparecer-me pela frente. “Pelo menos deveria transportar uma caixa debaixo do braço, talvez assim seria fácil de reconhecê-lo”, pensei tentando animar-me.

Os meus olhos viajavam pelos dedos do pianista quando o toque do meu telemóvel fez-me dar um salto. Vasculhei na minha mala (admito que é nestas ocasiões em que nos apercebemos que é de facto demasiado grande), quando ele parou de tocar.

- “Raios parta!” - Guinchei irritada.

Foi nessa altura em que ele apareceu na minha frente a sorrir, como num filme de cinema :

- Olá, eu sou o 3º Dto, posso me sentar?

Não consegui esconder um sorriso embaraçado. Tirei a mala de cima do sofá e acenei afirmativamente. Vestia umas calças largas de ganga russa e uma camisa em tons castanhos por fora. Por cima apenas um blusão de cabedal preto. O cabelo castanho-escuro era liso, um pouco comprido e caia-lhe em farripas pelos olhos, algumas já presas por trás das orelhas.

Pediu um Gin com limão para me acompanhar e perguntou-me o que achava do bar.

- Simpático, acolhedor… não percebo muito de música mas estou a gostar.

- Toca-se vários estilos. Agora é Jazz. – Respondeu contente com a minha crítica - O bar é de um amigo meu. Ajudei-o a montar o espaço, e pintei os quadros que estão por aqui - e apontou para as telas nas paredes.

- Pintor, portanto?

Riu-se e abanou a cabeça, furando a rodela de limão com uma colher de pé alto.

- Sou um arquitecto free-lancer, explorado, professor de Desenho em horário pós-laboral e pinto por prazer.

Não pude deixar de simpatizar com a sua sinceridade. Fisicamente não tinha de facto nada de especial, nenhum traço saliente, olhos e cabelos castanhos, pele clara, já com algumas rugas de expressão em volta dos olhos e na testa. “Tinha talvez perto de 40 anos”, pensei…mas era absolutamente normal. Contudo havia algo nele  que me prendia a atenção, Acho que eram as mãos, a maneira como falava com elas. Compridas, de dedos esguios e bem cuidados. Elas pareciam falar também, dançando ao som das palavras.

Foram também as suas mãos que me puxaram de repente para ver de perto um quadro. Segurou-me a mão como se fosse uma criança e não tive reacção senão acompanha-lo.

- Vou mostrar-te o meu preferido – e levou-me por entre as mesas do bar.

Pendurada numa parede junto ao pianista estava uma tela quadrada, talvez 90x90cm, com traços e relevos irregulares. “Provavelmente uma mistura de técnicas”, pensei sem dizer uma palavra. À primeira vista parecia-me um jogo de sombras abstracto.

- O que vês? – Os seus olhos brilhavam por detrás dos óculos finos de armação de metal.

- Ahh… - Hesitei nervosa - Não sei bem…

- Não tenhas pressa, podes tocar -  Fugiu para trás de mim, tapou-me os olhos com uma mão e com a outra agarrou-me na mão esquerda e segurou-a contra a tela. A pele suave das suas mãos nos meus olhos contrastava com os relevos da tela que tocava ondulando com a sua mão por cima. Arrepiei-me, num misto de ansiedade e medo.

- O que viste? – Perguntou novamente, destapando-me os olhos e largando-me a mão.

- Pele - saiu-me assim sem pensar - Pele suave.

Ele contemplou-me com um ar sério, por segundos que pareceram eternos. Arrependi-me naquele mesmo instante de ter dito aquilo, na verdade foi o que senti e não o que vi e estava longe de decifrar arte em braille. Finalmente, as feições dele assumiram um sorriso rasgado, que lhe mudavam a expressão.

- É isso mesmo - exclamou satisfeito - São vários corpos entrelaçados, vestidos apenas de pele.

(...)

publicado às 00:29

Sou vários caminhos

por Closet, em 08.05.11

"Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída.” Clarice Lispector

 

 

Esperam-me tempos de muito trabalho e...pouco tempo... 

O tempo é aquele bicho peludo, insistimos em nos guiar por ele... Eu tento trocar-lhe as voltas sempre que posso. Ignoro o relógio, não me interessa se é de noite ou de dia, se vou dormir 4 horas, se amanhã vou encontrar o caminho ou daqui a uma semana, um mês, 10 anos... Vou vivendo, conciliando as exigências da realidade com as minhas paixões e sonhos. Acredito que mais vale viver um sonho, do que não ter sonho algum. 

 

Tenho um conto para escrever para o meu curso, este fim-de-semana foi produtivo (ainda que a horas não consideradas dentro dos parâmetros normais... 6 páginas!) e um Retiro de Escrita pela frente onde quero aproveitar o máximo para "sair de mim" e ser outros, é aqui que está o maravilhoso de escrever!

 

Deixo aqui o possível início do meu conto para quem quiser ler:)

 

2 meses antes

 

«Voar é tirar os pés do chão» repetia.

O corpo explodia com o barulho ensurdecedor das turbinas e o sangue pulsava-lhe em convulsões. Lutava para manter os olhos fechados, pressionava-os e pedia a si própria um sono profundo. Queria dormir. Não porque tivesse vontade, mas porque estar acordada era mais doloroso. Precisava desligar o botão, apagar-se da vida.

«Voar é tirar os pés do chão» repetia e o rosto de Afonso a olha-los na mesa do fundo do café perseguia-a.

 

- Guida? Guida… és tu?

Afonso avançava em direcção à mesa onde Margarida e Richard tomavam o pequeno-almoço num café de rua. Conhecia-lhe o andar, como balançava o corpo que, apesar dos anos, ainda era demasiado atraente. «Devia ser proibido ter um corpo assim com esta idade» pensava enquanto se levantava de braços abertos e um sorriso estampado no rosto.

Beijaram-se e abraçaram-se afectuosamente. Afonso sempre fora efusivo, olhava-a nos olhos, incrédulo.

- Por aqui? Há quanto tempo? Estás fantástica…O que fazes aqui? Diz-me, quero saber…

Margarida ria-se metralhada de perguntas e tentava disfarçar o entusiasmo, olhando em volta envergonhada.

- E tu estás… igual! – saiu-lhe sem pensar, mudando imediatamente de assunto – Vim visitar o meu filho, veio estudar para cá.

Afonso endireitava o tronco orgulhoso do seu físico, resultado de horas de trabalho semanal em ginásio. Olhou para a mesa ao canto e sorriu admirando o rapaz alto, de cabelo encaracolado castanho claro e olhos grandes, que os olhava interrogativo.

- Não acredito… - levava a mão à boca espantado– É ele? Está enorme…

- Pois, o tempo passa – riu-se puxando-lhe o braço e levando-o em direcção à mesa – já está no 1º ano de faculdade.

Apresentou-o como um “colega de faculdade da mãe”, ouvindo um expectável comentário despropositado.

- Um colega especial, atenção! – gracejou Afonso, deixando Margarida embaraçada. Richard riu-se e aproveitou a deixa para brincar também:

- Devia ser difícil atura-la não?

Riram-se ambos de forma contagiosa. As mesmas covinhas no rosto que lhe davam o ar de miúdo, os olhos que se rasgavam denunciando rugas de expressão cada vez mais irresistíveis. De repente, 18 anos era tanto e tão pouco. Afonso pediu para se sentar com eles, e sem esperar resposta foi buscar o casaco e uma pasta à mesa onde estava. (...)

publicado às 23:43

Histórias sem Fábrica

por Closet, em 04.05.11

Bom... e como ando com pouco tempo para escrever exclusivamente para aqui (na verdade estou atulhada de coisas para escrever para  meu curso de escrita)... deixo uma continuação dos meus retalhos que vou escrevendo sempre que me apetece! Para quem gostar de historias :)

 

Depois da história que começou nas nuvens aqui, vem a continuação !!

 

Era só “mais um restaurante italiano”, pensava enquanto esperávamos a mesa para nos sentarmos. Joana fazia questão de experimentar todos os restaurantes novos que abriam em Lisboa, bastava sair na Time Out e lá ía ela desde que o valor médio de consumo não fosse exorbitante. Nesta noite, concretamente, lá estávamos nós, numa sexta-feira, esbaforidas depois de um dia de trabalho e à espera de uma mesa num minúsculo restaurante na Ajuda. De vez em quando esboçava um sorriso para não a desanimar perante o seu olhar suplicante para esperarmos mais um pouco. Já eram 21 horas e o meu estômago rangia mais do que uma porta de madeira do século XVIII, quando finalmente um sujeito baixo gaguejou qualquer coisa como “po-po-podem se-se-seguir-me” olhando-nos de alto a baixo como se fossemos pedintes.

Percorremos o hall estreito que dava para uma sala ampla com mesas para 4 e 6 pessoas intercaladas com outras quadradas apenas para duas.

A sala estava iluminada por pequenos candeeiros de parede com lâmpadas em forma de vela e decorada de forma simples, as mesas com as típicas toalhas aos quadrados vermelhos e brancos e uma vela pequena ao centro. Os copos elegantes de pé alto pediam vinho tinto para acompanhar o que já se encontrava na mesa: azeitonas, presunto e queijo.

- De-de-desejam algo pa-pa-para be-be-beber? – gaguejou o sujeito baixinho, de cabelo escasso em cima e penteado com gel todo para um lado.

Contive um riso no exacto momento em que vislumbrei o olhar sério da Joana que se apressou a disfarçar pedindo conselhos sobre os vinhos. Enquanto ele lhe explicava a carta com a lentidão que o caracterizava, e nessa altura percebi a possível explicação do tempo de espera naquele restaurante, resolvi ir à casa-de-banho lavar as mãos e dar uma vista de olhos pelo resto do restaurante.

Havia outra sala mais pequena ao lado, com uma passagem em arco, e ao fundo o que devia ser a entrada para a cozinha escrito na porta “Reservado ao Pessoal”. Como se alguém que ali estivesse quisesse ir para a cozinha fritar uns bifes, pensei e reparei no seu interior através da abertura ao lado que terminava num balcão largo onde a os pratos eram depositados. Do lado direito as casas-de-banho estavam bem identificadas.

Mal saí, fui abalroada por um tabuleiro com chávenas de café que me bateu no peito e caiu estridente no chão.

- Upsss… desculpe – reagiu o empregado desastrado, de avental vermelho da casa, enquanto verificava se eu não me tinha sujado – queimei-a?

Aqueles olhos verdes mesclados eram-me familiares. O cabelo loiro despenteado e a pele bronzeada. Tinha a certeza que os conhecia de qualquer lado, mas não naquele contexto. Olhou para mim fixamente e abanou de seguida a cabeça baixando-se para apanhar as chávenas do chão, e eu baixei-me também.

- Eu conheço-te… - escapou-me assim sem pensar.

- Sim, acabei de lhe acertar com um tabuleiro, lembra-se? – Sorriu piscando o olho ainda de cócoras.

Naquela altura não tive dúvidas. Ele estava diferente, com a barba feita e um aspecto limpinho e arranjado, mas era ele, o indivíduo que tinha viajado a meu lado para Nova Iorque no Verão passado.

- Sim, reparei, mas não me acertaste na cabeça… - sorri embaraçada – acho que foste sentado a meu lado para Nova Iorque no Verão passado, lembras-te?

Perante o ar admirado dele, comecei a sentir-me ridícula e a pensar seriamente que poderia estar enganada. E que, se assim fosse, muito provavelmente o rapaz pensaria que eu estava a engata-lo. Olhava-me de alto a baixo como se fosse comprar um carro novo e estivesse a inspeccionar cada detalhe. Eu comecei a sentir-me a corar e dei por mim a endireitar o tronco, a encolher a barriga e a ajeitar o top por cima dos jeans, como se ele me estivesse a catalogar.

- Hummm… - disse enquanto pousava o tabuleiro no balcão desinteressado – não me lembro.

Já irritada, afinal eu estava a passar por uma idiota perante aquele sujeito magrelas, de t-shirt preta e calças de ganga russas descaídas, e aindaenfeitado com um avental.

- Então foi engano, desculpe - Voltei-lhe as costas contendo a raiva entre os dentes e segui para a minha a mesa sem olhar para trás.

Podia jurar que era ele, não me tinha esquecido da sua voz aveludada, dos olhos expressivos que sorriam sem autorização.

- Que se passou? – perguntou Joana apreensiva – Nunca mais voltavas, pedi lasanha para as duas.

- Fizeste bem, tive um pequeno contratempo a sair da casa-de-banho – respondi-lhe petiscando umas azeitonas.

- Meteram-se contigo? – gracejou. Joana tinha a mania desde o secundário  que todos se metiam comigo, apenas porque eu era mais extrovertida que ela e, por alguma razão, as coisas mais bizarras aconteciam comigo.

- Na verdade fui eu que me meti com alguém – resmunguei - colocando o guardanapo no colo – e ainda por cima levei com um tabuleiro em cima…

- O quê? – Joana olhava-me espantada – Deram-te com um tabuleiro? Mas o que é que foste dizer?

Fiz-lhe sinal para se calar quando vi o empregado gago a chegar com as lasanhas.

- Espero que esteja tu-tu-tudo do vosso a-a-agrado – gaguejou pousando os tabuleiros na mesa, quando uma voz por detrás o interrompeu.

- Claro que está, e ainda posso aconselhar-vos para acabar a noite em beleza, a melhor caipirinha ali num bar abaixo com música ao vivo.

Era o parvo do empregado que tinha viajado comigo. Uma sala cheia de gente para ser atendida, uma fila à porta à espera para entrar e ali estava ele, com aquele ar de gozo escarrapachado na cara, a mandar-nos para um bar.

- Não me parece – apressei-me a responder com ar carrancudo – nem que fosse lá o Jim Morrisson.

Joana pisava-me o pé intrigada com o que se estava a passar. Os olhos dela perseguiam os meus que fingia nem reparar, enquanto me servia.

- Hum… que bar é esse? – perguntou Joana no intuito claro de ser simpática, mesmo depois de levar uma cotovelada minha.

Novamente o sorriso rasgado que me irritava. Os olhos verdes mesclados davam-lhe uma expressão atraente, sem dúvida, e a voz aveludada um toque especial. Nessa altura reparei que Joana sorria embeiçada por ele e devo admitir que uma mistura de raiava e ciúmes começou a tomar conta de mim.

- Deixo aqui o cartão, é já ali em baixo – disse, entregando-lhe um cartão que tinha no bolso. De repende cravou os olhos nos meus e disse:

– E já agora, Spunik, aparece que é como se o Jim estivesse lá!

E desapareceu sem me dar oportunidade de lhe responder. Afinal a criatura lembrava-se de mim e estava a gozar com a minha cara. Ou será que só se lembrou depois? Mas porque raio nos convidou para ir aquele bar? As dúvidas fustigavam-me o cérebro no preciso momento em que reparo na Joana a olhar-me daquela forma inquisidora e impaciente.

- Hello? Volta à terra, vá, vá desembucha… quem é ele?

Contei-lhe da nossa viagem há um ano atrás, como ele me tinha irritado e ao mesmo seduzido com o seu sentido de humor. Ele estava diferente, mais arranjado com a barba feita e o cabelo mais penteado, mas de resto parecia igual, com aquele ar esgazeado e sempre pronto para uma piada.

- Mas não o viste mais? Lá por Nova Iorque, nunca?

- Nunca – respondi – nem sei o nome dele.

A lasanha estava deliciosa e como sobremesa o nosso amigo gago sugeriu-nos tiramisú.

- Molto buono! – conseguiu dizer sem gaguejar.

Cheguei a pensar que se ele falasse sempre italiano talvez não gaguejasse e, com alguns conselhos de imagem, até conseguia ter o seu charme. Rimos as duas e partilhámos um tiramisú seguido de um capuccino também “molto buono” como nos repetiu piscando o olho por detrás das lentes cheias de dedadas.

A sala já não se encontrava mais vazia, com duas mesas livres e algumas já estavam na sobremesa. Enquanto a Joana foi à casa-de-banho, aproveitei para espreitar a sala ao fundo na esperança de ver o meu antigo companheiro de viagem, mas fui rapidamente apanhada pelo empregado gago.

- O Pe-Pe-Pedro já foi – disse enquanto me entregava a conta - sai sempre às 23h porque vai para o bar.

Enchi-me de coragem e perguntei:

- Mas que bar é esse? Ele também trabalha lá?

O empregado abanava a cabeça sorrindo.

- Pen-pen-pensei que o co-co-conhecessem. Ele ba-ba-basicamente não trabalha… - e deu uma gargalhada irritante que me deu vontade de lhe virar as costas e manda-lo passear, mas precisava dele…

- Não trabalha como? Ele não estava aqui a servir à mesa? – perguntei já irritada enquanto vestia o casaco.

- Sim, sim… - abanava a cabeça enquanto levantava a mesa – é pa-pa-para pa-pa-pagar cervejas aos a-a-amigos.

Joana chegou e eu disse-lhe que já tinha pago. Aquele empregado já me estava a tirar do sério e não suportava ouvir nem mais um gaguejo.

- Calma – Retorquiu – acho-te muito tensa… o que se passa?

Não me apetecia confessar que estava morta de curiosidade por saber quem era de facto aquele misterioso Pedro.

___________________


Por entre uma porta estreita verde escura um porteiro deixou-nos entrar. Era um bar pequeno com pouca visibilidade devido às nuvens de fumo de cigarros que povavam o ar tornando-o quase irrespirável. Ao fundo havia um palco com uma bateria e do lado esquerdo um balcão apinhado de gente a pedir bebidas servidas em copos de plástico rígido.

Escolhemos uma mesa vazia a um canto e sentámo-nos num banco de pé alto pouco confortável. Joana deixou-me com as malas ao colo para ir à casa-de-banho., graceando:

- Vamos ver se agora sou eu a agredida – e atirou-me um beijo.

Quase de imediato, um empregado com pouco mais de 20 anos, todo vestido de preto, chegou com duas caipirinhas de aspecto delicioso.

- É oferta da casa – disse colocando as bebidas na mesa redonda, não me dando sequer tempo de responder. Confusa, limitei-me a sorrir em agradecimento, remexendo as palhinhas amarelas esmagando a lima.

- Afinal, sempre vieste! - Pedro surgiu de repente de lado assustando-me.

Tinha um ar de quem tinha derrotado um bando de vilões e ergueu um copo em gesto de brinde puxando um banco para se sentar.

O seu à vontade irritava-me, quem é que ele pensava que era?

- Tive de ver de onde vinha a tua fortuna… se o restaurante paga as cervejas aos amigos, este paga… o quê? Os tremoços?

Aquilo saiu-me e pressenti desde logo que fui cruel. Claro que recebi um troco nada fácil de digerir .

- Aqui não se comem tremoços, apenas amendoins…ahhh e tostas. Mas dá para pagar sim, esses que estás a comer e a bebida que pedi para te oferecerem! oh shit – e bateu na testa abanando a cabeça - é o meu salário inteiro de um mês nessa caipirinha, mas deixa, eu sobrevivo – e fez sinal ao barman para lhe entregar outra bebida.

Um silêncio perturbador reinou à nossa volta, não consegui enfentar os seus olhos que faiscavam contra os meus.

- Então e tu, doutora, o que fazes na vida? Algo que irá salvar o mundo??

- Sim, completamente, o meu mundo sem dúvida! – e enterrei a cara no copo para não o enfrentar.

Pressenti o seu olhar pacientemente pousado em mim, à espera de uma resposta melhor.

- Ok. Sou jornalista mas não sei bem o que quero fazer. Na prática, nem sei bem se quero ser jornalista… Fiz um curso em NY de foto-reportagem mas não consigo qualquer hipótese de viajar pelo mundo…

- Queres fugir, portanto – riu-se e segurou a minha mão fazendo-me estremecer – estás à procura de quê? O que querias que acontecesse agora, aqui?

- hummm – hesitei – sei lá escrever um best seller de culinária, ser raptada para uma ilha nas Bahamas, fotografar e espectro do Jim Morrisson…

- Nada mau… talvez possa ajudar-te afinal.

- O quê? Consegues ressuscitar o Jim?

- Muito melhor…

publicado às 00:03

Click!

por Closet, em 22.10.10

 

Segundos de olhares raspados.

Prenderam-se num momento único. Click! Como o disparo de uma máquina. Os dele, escuros, ousados, perfuraram os dela, vagabundos e tristes.

Pousaram um no outro magneticamente, fotografaram-se. Click! Envergonhados, baixaram-os fingindo não perceber.

Não resistiram e, embaraçados, um e outro, voltaram a olhar-se apressados, raspando o olhar outra vez.

Click! A melodia de um olhar que se prende e queima, um momento que incomoda tanto como faz apetecer. E viram-se os dois a desejar mais uma vez o olhar penetrante, que raspava o desejo de conhecer.

Que loucura, pensaram ambos. E olharam para o lado, pegaram no telefone, rodaram-no entre os dedos inquietos, disfarçando o que lutavam para esconder.

Click. Desistiram ofegantes, incendiados por querer.

Olharam-se, já com uma naturalidade audaz, de quem não se importa e nada teme. Como um manequim que desfila confiante por prazer. Sem pestanejar, os olhos desfilaram sozinhos, peregrinos e destemidos, percorrendo já o rosto em seu redor. Ele tinha uns lábios finos, cabelo ondulado e uma barba por fazer. Ela pressionava os lábios rosados, e mexia no cabelo liso comprido, sorrindo sem saber. 

Aqueceram-se mutuamente, num diálogo demorado que só o silêncio compreende. Preencheram, com o olhar, o vazio das suas almas apáticas, que se rasparam petrificadas naquele entardecer. Desaguaram, um no outro, num olhar inocente.

Amaram-se, no olhar cruzado em fogo, preso numa imagem de raspão. Fotografada com cor. Brilhante e quente, eterna, guardada pelo calor da ilusão.

publicado às 00:10

Fábrica de Histórias

por Closet, em 17.10.10

Outono acordado

 

Este Outono tinha chegado com uma surpresa inesperada, uma bomba que tinha explodido na sua vida. Uma bomba que ela procurara tantos anos, por toda a parte, mas que já julgava perdida, desactivada. E, de repente, ela surge e estilhaça, mais uma vez, a sua alma fragmentada. Espalha a magia por todo o seu corpo que reage mecanicamente, sem saber. Tinha de ir.

- Leva só bagagem de mão?

- Certo – respondeu sem desviar os olhos do bilhete que segurava.

- Mas o seu bilhete é só de ida? Vai ficar pouco tempo? - Continuou a funcionária magrinha de voz esganiçada e olhar provocador.

- Não sei. Logo se vê – respondeu agarrando os documentos e voltando as costas.

“Passar os seguranças, entrar no avião, não pensar em nada” era este o percurso, uma coisa a seguir a outra. Não podia distrair-se a pensar em mais nada. Não podia voltar atrás. Estava ali agora, tinha de ir.

Era para Veneza, mas podia ser para outro sítio qualquer. Nunca tinha ido a Itália, mas isso também não a preocupava. O lugar era irrelevante. Desde que ele estivesse lá para a receber. Desde que ele estivesse lá. Desde que ele estivesse. Repetia.

Este era um Outono de esperança, apesar da batalha sangrenta de sentimentos com que se debatia no interior. Ao contrário do Outono de há muitos anos atrás, onde a esperança foi substituída por uma lágrima grossa de tristeza que lhe inundou o rosto durante os Outonos seguintes. O Outono onde os seus planos de vida foram destruídos e a desilusão apoderou-se de si, esvaindo-se lentamente até não restar um pingo de emoção. Até a pele transformar-se num tom pálido frio e não distinguir o aroma de um perfume primaveril. Esse Outono, de há muito tempo atrás, levou com ele tudo o que ela acreditava, os sonhos mais inocentes e puros, tudo pelo qual ela corria.

Nunca mais tinha corrido assim atrás de nada, nem de ninguém. Nem tinha amado alguém sequer, talvez porque passou a acreditar que amar era apenas um verbo do dicionário. Uma palavra, que se escreve ou fala, e que ela julgara ter cicatrizado na sua pele quando pensava ser muito mais que uma palavra, que um verbo para conjugar.

Quinze anos depois, ou talvez mais, perdera a conta, o Outono rompera novamente na sua vida, pedindo uma nova oportunidade. Levava-a a Veneza, por ironia ou destino, uma cidade povoada de amor. O amor que perdera e que, agora, como um boomerang voltava para trás. Sedento. Ousado. Um amor mais velho, marcado pelo tempo que as fotografias não escondem. Um amor doente de louco, demente, de quem não pensa antes de falar. Encontrou inesperadamente o amor de sempre, como se o tempo não tivesse passado, como se os ponteiros não tivessem avançado do lugar. E agora não sabia como voltar atrás. Como ignora-lo? Fingir que não existe? Tinha de o ver, tinha de o abraçar, tinha. Repetia.

Agora que estava a poucas horas de chegar, os 900km/hora era uma velocidade ridicula, insignificante, comparada com o batimento descompassado do seu coração. Nervosa, como uma criança no primeiro dia de escola, como uma adolescente no primeiro beijo. Ansiosa, questionava-se se o Amor que estava adormecido, enterrado, podia acordar. E como seria, neste Outono, o aperto desse abraço, o sabor desse beijar.

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias

publicado às 21:52

Inspiração

por Closet, em 14.10.10

Sempre fui uma contadora de histórias.

Quando a vida me passa rasteiras, esquece-se de mim ou tenta derrubar-me, eu troco-lhe as voltas. Dou a volta à história.

Acho que fui assim a vida inteira. E de tantas histórias que conto às vezes não sei distinguir se alguma é verdadeira, ou se é tudo a fingir. E entro nelas como por magia, num turbilhão de emoções. Misturo caras, corpos e corações.

Sempre gostei de inventar histórias. 

As que me fazem sorrir, ou preenchem a minha alma, romântica, anarca, instável. Histórias que transportam para outras vidas, impossíveis de viver. Envolvo-me nas minhas histórias, livremente, às vezes um pouco a correr. Porque a cabeça já voou para outra história, uma ideia que se atravesou na minha mente de repente. Assim, sem dar por isso coloca-me logo num rebuliço. Um agitação enorme que é ter uma ideia a fervilhar, e depois... a dficuldade em dar-lhe corpo e pernas para andar. Com estrutura bem definida. A história não precisa ser esticada, ser comprida. Mas tem de ser bem contada. Estou cada vez mais exigente, não quero que lhe falte nada. Que a compreendam do principio ao fim quando a lerem, e não fiquem embasbacados a olhar para mim...

 

Psssttt... vou contar-vos uma historia. Ele era louco por ela, ou era só louco, mas eu mudei a história. Ela gostava dele, adorava-o na verdade, mas eu conto de outra maneira. Amaram-se de forma desumana, insana, com sofreguidão. Como numa bebedeira descomunal, perderam-se um do outro, correu tudo mal. Ou bem, depende do que vem a seguir. Anos depois ele apareceu à porta dela a sorrir. E agora que o mote está lançado, fico tonta ao vê-lo girar. Para um lado ou para o outro, será que ela o vai aceitar?

publicado às 00:03

Beijo na cara é que não!

por Closet, em 08.10.10

 

Fazemos assim: tu chegas primeiro e eu depois. Ou chegamos ao memo tempo os dois. Tanto faz. E quando chegarmos, seja em que lugar for, olhamos-nos nos olhos e sorrimos. Aproximamo-nos devagar, ou talvez seja a correr, não vou prometer nada... logo se vê. Mas não te dou um beijo na cara. Desculpa, mas não consigo. É... estranho. Nunca te dei um beijo na cara, nem saberei como fazê-lo contigo.

Os narizes iriam andar a bater um no outro para o mesmo lado e os lábios perseguiriam-se desvairados. Não, a sério, não consigo.

Pode ser um abraço apertado, um aperto de mão demorado, uma palmada nas costas...sei lá, o que quiseres. Pode ser que até te derrube com a excitação e acabamos os dois a rebolar no chão. Ou na água. Em qualquer lado. Desde que caiamos juntos tanto se me dá a confusão. Agora, um beijo na cara é que não! Desculpa, não consigo!

publicado às 00:47


Mais sobre mim

foto do autor


Calendário

Setembro 2014

D S T Q Q S S
123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
282930