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«Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, irremediavelmente afastados« Haruki Murakami
Era no impossível que ela amava.
Como mandar cartas de amor a um cego, cantar serenatas a um surdo e desejar palavras arrebatadoras de um mudo. Era assim que ela o amava, de forma inútil, ingrata e deficiente.
Como um relógio desacertado no tempo, onde os ponteiros se encravaram. O relógio, já não servia para nada. Mas os ponteiros atraíram-se, como dois corpos perdidos enferrujados. Pensava que era isso que lhe faltava. O físico para além do som das palavras, do riso dos gestos, para além dos beijos ardentes, da língua e das mãos a deslizar pelos corpos arrepiados. Possui-lo por instantes cegos-surdos-mudos, o corpo dele ser dela, um desejo antigo, perdido, por concretizar. Pensava que esses instantes de posse eram tudo o que faltava, como se possui-lo por instantes sôfregos e carnais fosse muito mais do que isso. Como se bastasse para deixar de senti-lo por dentro, de pensá-lo e deseja-lo.
Era no impossível que ela amava. E é nele que continua a mandar cartas a cegos, cantar serenatas a surdos e a esperar que surjam da boca de um mudo as palavras mágicas, aquelas que tornem possível ela voltar a amar.